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CONTO

1. Sou partidário do conto, que é como o soneto na poesia. Mas quero contos como os de Maupassant ou Kipling, contos concentrados em que haja drama ou que deixem entrever dramas. Contos com perspectivas. Contos que façam o leitor interromper a leitura e olhar para uma mosca invisível, com olhos grandes, parados. Contos-estopins, deflagadores das coisas, das idéias, das imagens, dos desejos, de tudo quanto exista informe e sem expressão dentro do leitor. E conto que ele possa resumir e contar a um amigo - e que interesse a esse amigo. (1:243-244)
2. Nunca escrevi contos e não sei se me será coisa possível. O que eu considerava contos, se releio agora me sabem a crônicas com pretensões humorísticas. No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério (pois sinto uma nostalgia profunda ao vê-los - sinto uma saudade do que eu poderia ser se me casasse com a pintura), arranjei, sem nenhuma premeditação, este derivativo da literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Minha impressão predominante é puramente visual. Ora, sendo eu assim, vejo-me em apuros com os teus empurrões para a realização imediata.
Vou tentar - mas bem desesperançado. Se até aqui não produzi um só conto que mereça tal nome, isso demonstra minha inaptidão para esse gênero literário. (1:251-252)
3. Ando frio com o conto. Acho um campo muito restrito, coisa só para os grandes mestres. Engano pensar que por ser mais curto seja mais fácil, mais próprio de principiante. Este deve começar com um Rocambole e só depois de bem maduro fazer um continho. A propósito, lembro-me dum plumitivo de Pindamonhangaba, que me abordou um dia e contou da sua idéia de publicar um livro de pensamentos. E explicava: "Nós, principiantes, devemos começar pelo princípio, pelo primeiro grau; coisinhas leves, pensamentos; depois sonetos; depois contos e por fim novelas e romances". Ele andava com uma trena no bolso. (1:265)
4. Mas da idéia à realização o caminho é áspero. Talvez você tirasse do assunto a coisa que imagino. Eu não me atrevo - porisso reduzi o romance a conto - um conto que é apenas um frouxo programa do romance.
Toda gente considera o conto um gênero leve - e tomam o leve como sinônimo de fácil. Mas note que em todas as literaturas só emerge do conto um Maupassant para dez romancistas. Mesmo assim, achas que é possível meter Maupassant na plana de Balzac, Dostoievsky e Tolstoi? Não creio. É mister fazer bom e grande e o contista, embora alcance o bom, não pode chegar ao grande. É ourivessaria, não é arquitetura. Cellini fez o Perseu, mas faria o Taj Mahal? O meu Bocatorta conto é pobre maquete em gesso dum terrível monumento. Miniatura.
Viver um ano, dois, três, dentro dum romance, construindo um romance, como Flaubert. Que fôlego exige! Que saúde - e nós somos uns doentinhos. (1:280-281)
5. Li os Oitenta Contos n'O Dia. Interessante, mas frouxo no fim. Não acaba de modo satisfatório para o leitor e para Apolo. Fecho de conto é como fecho de soneto; é o tudo! É onde está o busilis. Porque o conto inteiro não passa dum preparo para o fecho - e se depois de cacetearmos o leitor com o tal preparo lhe dermos fecho desapontante, ele diz como cá a dona Nenê: "Outro ofício!" (2:234)
6. Outro conselho que darei para contos é não fabricá-los na cabeça, e sim colhê-los na vida. Quem cria os bons contos não somos nós, é a Grande Mestra - a Vida. Nós apenas os captamos e os pomos em forma literária. Dá-se com eles o mesmo que com os brilhantes. O garimpeiro acha-os, e depois o lapidador os transforma em maravilhosos solitários. Faça assim. Garimpeie. Pegue os contos da vida que passarem ao seu alcance - e bote-os em forma artística, sem visar coisa nenhuma senão o bom acabamento da obra. Faça assim que quando menos pensar estará com uma linda coleção de contos vivos, pois só são vivos os criados pela vida. (4:43)
7. Confundem-se geralmente os dois gêneros, e muito cronista por aí, dos mais perfeitamente caracterizados, jura que é contista. O verdadeiro conto não passa de uma narração incisiva e bem travada em todas as suas partes de modo a dar relevo a um fato, cômico ou trágico. Antigamente definiam-no como a narrativa agradável de coisas imaginárias. Com o advento do naturalismo ele ampliou o quadro e admitiu dentro mais coisas do que permitia a concepção antiga. Inda assim exige como essencial a narrativa em progressão na qual tudo tenda para o desenlace final, imprevisto e sugestivo. O conto nunca deixar de ser anedótico. É mister que o leitor, acabada a leitura, possa recontá-lo a terceiro, isto é, apresentar rapidamente o esqueleto, o arcabouço anedótico. Dos nossos contistas poucos seguem esta orientação. Deixam-se arrastar pelo devaneio, afrouxam a contextura da obra por meio de repetidas digressões, ou de excessivas minúcias descritivas, inúteis para o efeito final. São, em suma, em vez de contistas, cronistas. (10:34-35)
8. Se ainda escrevo de quando em quando, é por hábito, e para desencruar a fita desta máquina. E só escrevo quando o acaso me faz encontrar na rua um diamante bruto entre cascalhos, a que o mundo chama "conto". Quem os faz não é o escritor, sim a vida, como é a natureza que faz os diamantes. O escritor apenas os acha; e depois de achado, se não tem preguiça, toma-o do chão, lapida-o, e engasta-o numa trama de associações lógico-estéticas, que é o anel onde vai figurar o brilhante. (12:57)
9. ― Contos andam aí aos pontapés, a questão é saber apanhá-los. Não há sujeito que não tenha na memória uma dúzia de arcabouços magníficos, aos quais, pra virarem obra d'arte, só falta o vestuário da forma, bem cortado, bem cosido, com pronomes bem colocadinhos. ( 17:67 )
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Ver: CRIAÇÃO 4 ( 2:137-138 )
CRIAÇÃO 7 ( 2:253-254 )