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http://www.clubedeautores.com.br/book/33715--DICIONARIO_DA_TEORIA_LITERARIA_E_ESTETICA_DE_MONTEIRO_LOBATO





ESTILO

1. E aquele Sheridan que nos desancou a todos, menos a você, é mesmo o Lino. Bem que tentou esconder-se, desancando-se também a si próprio — mas o estilo é o homem, e o Lino está mais ali do que na rua Bráulio Gomes. (1:38-40)
2. Estilos, estilos... Eu só conheço uma centena na literatura universal e entre nós só um, o do Machadão. E, ademais, estilo é a última coisa que nasce num literato — é o dente do siso. Quando já está quarentão e já cristalizou uma filosofia própria, quando possui uma luneta só dele e para ele fabricada sob medida, quando já não é suscetível de influenciação por mais ninguém, quando alcança a perfeita maturidade da inteligência, então, sim, aparece o estilo. Como a cor, o sabor e o perfume duma fruta só aparecem na plena maturação. Repare no Machado. Quando lhe aparece a cor, o sabor, o perfume? No Brás Cubas, um livro quarentão. Que estilo tem ele em Helena ou Iaiá Garcia? Uma bostinha de estilo igual ao nosso. Ao Eça só o encontramos já estilizado e inconfundível nos Ramires. Antes de nos vir o estilo o que temos é temperamento. Há na arte do desenho um exemplo claro disso na "estilização", duma flor, suponhamos. A flor natural é o nosso temperamento; a flor estilizada é o nosso estilo. Enquanto esse temperamento não alcança o apogeu da caracterização, não pode haver estilo. O Eça nas Prosas Bárbaras não tem estilo; usa e abusa barbaramente da "impropriedade" com o fim de irritar o Camilo Castelo Branco, o Bulhão Pato e os burgueses do Porto. Esse abuso da impropriedade, que à primeira vista parece ser a sua futura característica do estilo (tanto é alta a dose nas primeiras coisas), nos Ramires aparece homeopático e felicíssimo, e da mesma sábia dosimetria de Machado de Assis.
Poderás, Rangel, com os elementos básicos que há em você, ter um estilo, e certo que o terás — mas ainda é cedo. Estás verdolengo. E o terás lindo, sobretudo se deres menos apreço às lisonjas fáceis dos amigos. Lembra-te que mutuamente já todos nos demos de gênio lá no Cenáculo e no entanto bem pequena é a dose de simples talento de todos nós, reunidos e multiplicados uns pelos outros.(1:101-102)
3. Esse Albalat que o Ricardo te mandou anda interessando muito à rapaziada de S. Paulo que pretende lugar nas letras. Tenho a impressão de que é obra vã e perigosa, talvez das que ensinam um certo estilo — e neste caso teremos estilo postiço, como há dentes postiços. Estilo é cara; cada qual tem a sua e o que fazemos para modificar nossa cara é em geral mexer nos pêlos, barba e grenha, e podemos sair um bigodudíssimo Umberto I ou um cara-rapada à. americana. O mais do nosso rosto não se sujeita a travestis. No estilo também há algo de imutável, de ingênito, de inalterável, a despeito de tudo o que façamos para deformá-lo. Não as exterioridades, mas essa alma-mater, esse eixo central, é que verdadeiramente constitui o estilo. ( 1:259 )
4. Estou lendo Memoires d’Outre Tombe, de Chateaubriand. Acabei o Albalat. Bom, mas de pouco valor para nós aqui. Discreteia sobre o estilo francês, e as coisas mudam quando em português. A parte referente ao estilo descritivo em Homero é ótimo, e boa para nós. A conclusão que tirei do livro é que estilos não se fabricam, nem se ajustam por influxo de regras; são o que são, como o nariz das pessoas. O mais, arrebiques, sobrecargas, postiços que só aparentemente melhoram o natural ingênito e espontâneo de cada um. (1:275-276)
5. Nossos estudos de clássicos deram um resultado curioso: tua linguagem ficou metade século 20 e metade século 15. Pareces um homem de cartola e bofes de renda, ou de paletó saco e sapatos de fivela. O que eu achava melhor é que decantasses o estilo. Que o deixasses filtrar e assentar por si mesmo, porque estilo não é uma coisa que se faça deliberadamente de acordo com certos moldes; estilo é cara, é feição, é fisionomia, é nariz. O amanho da cara não vai além do asseio da pele, do pentear ou não os cabelos, do cortar ou não os bigodes. Se alguém passa além disso e usa cremes e ruges, perde a cara e vira "maquillage". (1:302)
6. Volto ao Euclides. Estive a lê-lo e pareceu-me que a sóbria e vigorosa beleza do seu estilo vem de não estar cancerado de nenhum dos cancros do estilo de toda gente — estilo que o jornalismo apurou até ao ponto-de-bala acadêmico, tornando-o untuoso, arredondado e impessoal. 1) Euclides evita prepor o adjetivo ao substantivo, o que contraria a lógica percepção cerebral. Por exemplo: "exaustivas correrias", “paupérrimas choupanas", "esguia palmeira". O que na mecânica da leitura o cérebro tem de representar ao receber a impressão dum desses adjetivos (sem ter ainda recebido a impressão do substantivo posposto), é uma qualidade vaga e dissipada em extremo, capaz de mil articulações diversas: ao passo que na forma contrária — "palmeira esguia", por exemplo — a impressão é de exata nitidez e vigor; o cérebro representa a coisa indicada pelo substantivo e imediatamente a qualifica ou determina com o adjetivo posposto. Ora, em Euclides não há adjetivos prepostos aos substantivos, ao passo que no estilo de jornal é esta a forma que predomina ("nosso inteligente colaborador", "o distinto amigo", a "gentil senhorita", a "virtuosa consorte", o "honrado comerciante desta praça", etc.). 2) Os verbos em forma composta, essa nojenta coisa de agregar o "ter" e o "haver" ao resto da verbalhada. É outro vício dessorante, que enfraquece o estilo com amortecer a nitidez da impressão cerebral ("haviam dito", "tinham estado comendo", etc.). As formas verbais simples são esplêndidas de energia e Euclides só emprega as compostas quando indispensáveis. Já o estilo de jornal só quer saber das compostas, justamente porque meliflui a frase, fá-las de salão de Clube Recreativo. Abro um Minarete e encontro: "andaram percorrendo", "tiveram começo", "estavam reclamando", "foram verificados", etc. A explicação do fato é a mesma do adjetivo preposto — dispersão, dissipação. 3) Os advérbios em mente, outra asquerosa invenção do jornal com o fito de adocicar o estilo por causa das leitoras folhetinistas, normalistas, pianistas, feministas — todo o hospital dos cloróticos para os quais o jornal é um pão de cada dia — pão doce. A razão ainda é a mesma. Claro que têm mais força as formas — "de leve", "à larga", "à sós" — do que o "levemente", o "largamente", o "solitariamente". Euclides é idiossincrásico aos advérbios em mente e o estilo de jornal não quer outra coisa. Pela-se por eles. (1:312-313)
7. Sobre a matéria temos muito que falar — para dizer sempre a mesma coisa. Estilo é como o nariz na cara: cada qual o tem como Deus o fez e não há dois iguais. A miragem está nisto: a gente procura, por efeito de mil influições, aperfeiçoar o estilo — aperfeiçoar o nariz. No entendimento dessa perfeição é que nos transviamos. Há a estrada real, ampla, macadamizada, freqüentadíssima, e há as picadas que podemos abrir marginalmente no matagal chapotado. Quase todo mundo toma pela estrada e pouquíssimos se metem pelas picadas. Resultado: engrossam-se as fileiras do estilo redondo e só um ou outro conserva o nariz que Deus lhe deu. Por aperfeiçoar o "estilo" temos de entender exaltar-lhe as tendências congeniais, não conformá-lo segundo um certo padrão de moda. O estilo padrão mais em moda hoje desfecha no estilo de jornal, nessa "mesmice" que florece, igualada no gênio, na cor, no tom, no cheiro, tanto no Monitor Paraense de Belém como na Tribuna do Povo de D. Pedrito, e é o mesmo no Estado e no Correio da Manhã. Quem conduz a humanidade e esse estilo é o Mestre-Escola, é o Gramático Letrudo, são os mil "Conselheiros" que no decorrer da vida nos vão podando todos os galhos rebeldes para nos transformar naqueles tristes plátanos da Praça da República — árvores loucas de vontade de ser árvores de verdade.
Mas nós somos bons jardineiros de nós mesmos, o que nos cumpre é matar as lagartas, extirpar os caramujinhos e brocas, afofar a terra e bem adubá-la. Em matéria de poda, só a dos galhos secos. E a árvore que cresça como lá lhe determina a vocação. Isso, concordo, é aperfeiçoar o estilo. O mais desnatura-o, troca o nariz natural por um nariz de carnaval. (2:6-7)
8. Meu hábito em tudo é pôr de lado métodos e seguir as intuições da veneta. Acho a veneta algo muito sério e misterioso, Rangel. É como se uma força dentro de nós cochichasse. (2:13)
9. Do que não gostei foi do som — o estilo. Noto uma preocupação de simplicidade que me parece excessiva, como quem quer escrever de chinelas para ser lido por homens de chinelas. O som é meia vitória, meia glória, meio valor total duma obra. Talvez mais — talvez três quartos.
O que Anatole conta no Silvestre Bonnard entra por um quarto no total da obra prima; os três quartos restantes forneceu-os o modo de dizer, o som. (2:16)
10. A tua observação sobre a Maupin é exata. É preciso alento para um escritor ir até o fim no tom forçado que assumiu no começo. Muito mais fácil fazer como Fialho, que não resume tom nenhum — é si mesmo no livro todo e vai às do cabo, nada o empece; diz "puta" e "fideputa" quando há mister e onde toda gente poria discretos sinônimos ou rodeios preservatórios dos arminhos e catarros moralísticos. (2:22)
11. Para o trabalho do estilo, a primeira empreitada é modificá-lo, como diz você, das "maneiras" consagradas. Fugir sobretudo da maneira do Eça, a mais perigosa de todas, porque é graciosíssima e muito fácil de imitar. "Cigarro lânguido" — "Caneta melancólica" — "Tinteiro filosófico". Também o descanso nas linhas exóticas é preciso — sobretudo no inglês. A literatura alemã também ensina muito. Sudermann revelou-te um grande segredo, e a mim quem mo revelou foi Hauptmann. O Caminho dos Gatos é romance de deixar sementes em nosso terreninho, quanto à composição e ao modo de dizer.
A literatura francesa infeccionou-nos de tal maneira que é um trabalho de Hércules remover as suas sedimentações. É gafeira lamelar. Temos que ir tirando aquilo casca por casca. Da casca haurida em Zola já nos alimpamos; a flaubertina e a goncurciana ainda subsistem em você. Temos depois as casquinhas hauridas aqui — a casca eciana, a fialhana, a euclidiana e até a camiliana. Abusamos de Camilo como certos sifilíticos abusam do mercúrio. O espiroqueta morre, mas ficamos com os dentes estragados. Temos que eliminar todas as cascas e ficarmos em carne viva. Será possível, Rangel? Certas cascas nos ficam como pele e dói o arrancá-las. (2:59-60)
12. Tua carta vem com uma frase absurda: "Sinto necessidade de arrepiar carreira em estilo e recomeçar do princípio." Equivale a: "Examinei ao espelho minha cara e sinto necessidade de voltar atrás os bigodes, o nariz, o ar, e refazê-la segundo um molde que me bacoreja cá dentro." Olha, Rangel, enquanto te preocupares com o estilo, não o terás. Estilo é o jeito da gente. E todo jeito artificialmente procurado desajeita uma pessoa. O que devemos é comportar-nos com grande decência no trato da língua, e só a aprendermos no trato dos mestres. Que preocupação de estilo há nesse Camilo que transcrevi? E que estilo! Donde a conclusão: Têm-no os que não o procuram — os descuidosos.
Para o diabo o estilo, pois — e toca para a frente. (2:66)
13. E por falar em estilo: quando deixamos a idéia correr ao fio da pena, sem nenhuma pré-concepção quanto à "maneira" ou regra e, pois, não procuramos "fazer estilo", é justamente quando temos estilo. Receita: Quem quiser estilo, jamais o procure. (2:67)
14. Renego todas as minhas observações. Estilo é cara, vivo dizendo. E querer que por causa disto ou daquilo o vizinho reforme o nariz ou a boca, é besteira. Sustente a cara que Deus te deu e Camilo apurou, e os Lobatos que vão às favas. (2:142)
15. Mas em Fialho há gênio, há estilo. (...) E quando descreve cenários, usa lucilações de relâmpagos. "Quis a janela aberta: estava um dia supremo, vivo de sol, com tintas loiras de inverno sobre os montes."
Nós, Rangel, nós do Minarete, viciados pelo senhor Emile Zola até no modo de pegar na caneta, pervertemo-nos com a maneira de Zola — ótima e certa nele, porque era dele, mas péssima em nós porque nos sufocava o surto da nossa maneira; nós, Rangel, diríamos assim:
"Pediu que abrissem a janela. Fora, um dia soalheiro (interferência do Eça) derramava o ouro de sua luz sobre a terra inteira, e nos montes punha tons alaranjados de outono."
Nove palavras a mais e quatro calorias de expressão pictórica a menos. E isso se nos contentássemos apenas com 28 palavras, o que seria um puro milagre de economia vocabular, dada a nossa verborréia incoercível. E hoje que o "naturalismo" zolaico passou, ainda andamos patinhando por lá, como gente de anquinhas em estação de vestidos colantes. Eu já dei limpa de enxada em meu terreno, mas há muito rebroto que preciso estar sempre quebrando. É preciso deixar o chão totalmente livre das coisas plantadas, para que nele brotem as sementinhas que os ventos trazem — as guanxumas, os carurús, as beldroegas, os cordões-de-frade, as gramínias congeniais e personalíssimas desse conglomerado de órgãos, sangue e células que Caçapava vê passar na rua e classifica no gênero Homo, indivíduo Lobato. E como somos, eu e você, uma velha parelha a puxar o mesmo carro, convido-te a empreender esta terrível obra de sacha, extirpadora das ervas francesas. E melhores gadanhos não conheço, que o velho Camilo e este truculento Fialho. Gadanhemo-nos, Rangel! Com um ano deste regime, curamo-nos da sarna gálica. Para filosofia, Nietzsche, que é um tanque desbravador de tudo, e tem a sublime coragem de nos dizer: Vade mecum? Vade tecum! Queres seguir-me? Segue-te! (2:154-155)
16. Compreendo o estilo em literatura como fiel mensageiro encarregado de transmitir ao leitor as idéias do autor.
Servo, escravo, "próprio" que deve ter as qualidades dos bons serviçais: brevidade, simplicidade, humildade, fidelidade, passividade.
Há-os, porém, petulantes, pernósticos; servos mal educados que não dão o seu recado sem que preambulem por conta própria e fiquem a maçar o leitor com exibições alheias ao acaso. O caso é sempre o mesmo: dar o recado com humildade de servo e safar-se. (7:39)
17. — Confesso, miss Jane, que a sua apreciação do último domingo me desalentou, e ainda permaneço sob essa impressão...
— Que vaidosos os moços! Lembre-se de meu pai. Quantas vezes fazia e refazia a mesma experiência, com uma paciência de beneditino! Porisso venceu. Lembre-se do esforço incessante de Flaubert para atingir a luminosa clareza que só a sábia simplicidade dá. A ênfase, o empolado, o enfeite, o contorcido, o rebuscamento de expressões, tudo isso nada tem com a arte de escrever, porque é artifício e o artifício é a cuscuta da arte. Puros maneirismos que em nada contribuem para o fim supremo: a clara e fácil expressão da idéia.
— Sim, miss Jane, mas sem isso fico sem estilo...
Que finura de sorriso temperado de meiguice aflorou nos lábios da minha amiga!
— Estilo o senhor Ayrton só o ter quando perder em absoluto a preocupação de ter estilo. Que é estilo, afinal?
— Estilo é... ia eu responder de pronto, mas logo engasguei, e assim ficaria se ela muito naturalmente não mo definisse de gentil maneira.
— ... é o modo de ser de cada um. Estilo é como o rosto: cada qual possue o que Deus lhe deu. Procurar ter um certo estilo vale tanto como procurar ter uma certa cara. Sai máscara fatalmente — essa horrível coisa que é a máscara...
— Mas o meu modo natural de ser não tem encantos, miss Jane, é bruto, grosseiro, inábil, ingênuo. Quer então que escreva desta maneira?
— Pois certamente! Seja como é, e tudo quanto lhe parece defeito surgir como qualidades, visto que ser reflexo da coisa única que tem valor num artista — a personalidade.
Refleti comigo uns instantes e disse por fim:
— Está bem, miss Jane. Vou tentar mais uma vez. Vou escrever como sair, sem preocupação de espécie nenhuma — nem de gramática, e verá que horror...
— Isso! exclamou ela encantada. Acertou. Isso é que é escrever bem. Refaça o primeiro capítulo com esse critério e traga-mo no próximo domingo. Serei franca como o fui na tentativa anterior, e se me parecer que de fato não tem as qualidades precisas, di-lo-ei francamente e não pensaremos mais nisso. (8:327-32 )
18. Não vem dos grandes mestres das artes plásticas a feição estética duma cidade. Vem antes de humildes artistas sem nome — do marceneiro que lhe mobilia a casa, do serralheiro que lhe bate o ferro dos portões e grades, do entalhador de guarnições e molduras, do fundidor, do estofador, do ceramista, de quantos direta ou indiretamente afeiçoam o interior da casa urbana. Como tais obreiros são numerosíssimos, dilata-se-lhes a zona de influência. Sai-lhes inteirinha das mãos a casa popular, como ainda a burguesa, e em boa parte o palacete rico. Apreende-se claro a força do profissional anônimo atentando para o Rio de Janeiro, cidade plasmada pelas manoplas calosas dum mestre d’obra que, sendo legião, é um só, tão uniformemente imprimiu em tudo o cunho mazorral da sua pouca finura em arte. Se em menino esse mestre atravessasse uma escola bem orientada, onde lhe desbastassem a gafeira grossa, que maravilha não seria a capital do Brasil!
Uma vez que é assim, curar da educação artística do operário, ensinando-lhe o bom gosto, desabrochando-lhe o senso da arte, norteando-lhe um impulso da criatividade, é dar moldes indeterminados, mas individualíssimos, à cidade futura.
É, portanto, criar estilo.
Estilo é a feição peculiar das coisas. Um modo de ser inconfundível. A fisionomia. A cara.
Não ter cara é um mal tamanho que as cidades receosas de criá-la própria importam máscaras alheias para fingir que têm uma. (16:23-24)
19. Estilo não se cria. nasce. Nasce por exigência do meio.
Ora, num meio incapaz desta exigência, compete aos artistas provocá-la, criando o estado d’alma propício.
E que artista é capaz disso?
O anônimo, o artista legião — só ele.
Está pois nas mãos dum estabelecimento como o Liceu, já perfeitamente radicado, criar o estilo da cidade, criando o artista-operário capaz de estilo.
Basta para isto incitá-lo à independência, ensina-lo a olhar em torno de si e a tirar da natureza cincunjacente os assuntos das composições, o motivo dos ornatos, a matéria-prima, enfim, da sua arte.
Feita a semeadura, as messes virão com o tempo fartas e consoladoras — e teremos assegurado um futuro menos incaracterístico do que o presente macacal. (16:27-28)
20. O estilo é a fisionomia da obra d’arte. Produto conjugado do homem, do meio e do momento, é pelo estilo que ela adquire caráter.
No rosto humano, trate-se de um hotentote ou de um dólico-louro, a máscara subsiste sempre, adstrita ao esquema morfológico da espécie; tem dois olhos, nariz, boca e orelhas, mas apesar disso nunca se confunde uma com outra. Paira nelas um elemento sutil, de penosa definição, embora flagrante: a fisionomia. Sem este "ar", a máscara perde o carater e vira "cara de boneca".
Assim, na obra d’arte, além dos elementos intrínsecos, permanentes, regidos pelas leis eternas das proporções e do equilíbrio, há o estilo que mais não é do que a sua fisionomia inconfundível. Resultante da personalidade do artista, representa ele o vinco forte do seu temperamento emotivo. Se, porém, da poesia, pintura ou escultura — artes mais suscetíveis de se impregnarem deste coeficiente pessoal — passarmos à arquitetura, amplia-se o fenômeno, sem que, entretanto, refuja à lei. Já não é o homem, senão o meio, que imprime estilo à obra. O elemento individual raro dá algo de seu. Mas dá muito, dá tudo, a estesia média da coletividade.
O estilo arquitetônico varia conforme o grau de inteligência, compreensão e sentimento artístico de cada povo. Nasce do solo como planta indígena, se o povo é criador e espontâneo como o grego. Na arquitetura helência nada grita em dissonância com o homem ou com a terra; jamais houve nada tão bem adaptado à paisagem envolvente, à índole da raça, aos seus usos e costumes, às suas necessidades, aos seus sentimentos e idéias. A simplicidade da vida, a formosura do tipo, a acuidade do pensamento, a frugalidade do povo eleito: — tudo sintoniza com a singela nobreza dos seus monumentos. (16:37-38)
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Ver: ESCRITORES 2 (2:162-163)
ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 3 (2:52-54)
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)
ESCRITORES: MARIA JOSÉ DUPRÉ (2:338-340)
ESTÉTICA 2 (1:80-83)
FIGURA DE LINGUAGEM (28:199-200)
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)
VOCÁBULOS 2 (1:258-259), (1:263-264)