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GRAMÁTICA

1. Confesso, Rangel, a minha ignorância do português-gramática e mais camarões da filosofia. Guio-me pelo faro, como o pescador que sente que ali naquelas pedras há garoupas. Infelizmente, faro é nariz; e em dias de resfriado lá se vai o faro. (2:39)
2. Grande bem me fazes com a denúncia das ingramaticalidades. De gramática guardo a memória dos maus meses que em menino passei decorando, sem nada entender, esoterismos do Augusto Freire da Silva. Ficou-me da “bomba” que levei, e da papagueação, uma revolta surda contra gramática e gramáticos; e uma certeza: a gramática fará letrudos, não faz escritores. (...) Estou com um pé na Cafra e outro no ar, a descer com lentidão e medo sobre a língua lusa verdadeira. Conto saltar. Hei de saltar. No intento de apressar a coisa, voltei-me para a gramática e tentei refocilar num Carlos Eduardo Pereira. Impossível! O engulho voltou-me – a imagem do Freire e da bomba. Dá-me idéia duma morgue onde carniceiros de óculos e avental esfaqueiam, picam e repicam frases, esbrugam as palavras, submetem-nas ao fichário da cacofonia grega. A barrigada da língua é mostrada a nu, como a dos capados nos matadouros – braços, fígados, tripas, intestino grosso, pústulas, “pipocas”, tênias. Larguei o livro para nunca mais, convencido de que das gramáticas saem Silvios de Almeida mas não Fialhos. Mil vezes (para mim) as ingramaticalidades destes do que as gramaticalidades daqueles. E entreguei-me a aprender, em vez de gramática, língua – lendo os que a têm e ouvindo os que falam expressivamente. (2:49-51)
3. Há sempre uma alta nobreza no estilo que se põe nos moldes sintáticos dos grandes antigos, procurando tomar como regra o que neles for regra, e não se autorizando a constituir como regra geral uma exceção, uma cinca, um desleixo e Vieira ou Camilo, quando é certo que até Homero cochilava. Quanto ao meu erro de “se o pratica” é coisa tão soez e chata que escusava te alongares tanto na demonstração. Já o expundi. Não fujo à pecha de ignorante em gramática, e até proclamo essa ignorância. E na realidade guio-me pelo tato e o faro, pelo aspecto visual e auditivo da frase. Se algum período me soa falso, releio-o em voz alta para perceber onde desafina. E achada a corda bamba, não a analiso, dispenso-me de saber que preceito gramatical foi ali ofendido: aperto a cravelha e afino a frase. O método, não será dos melhores, mas é o meu. É mau mas meu. Topete, hein? E queres ver que ilações tiro desse topete? Não arquiteto a frase: despejo-a sobre o papel no jeito, no tom, no rebarbativo, no elance com que me acode à pena. Depois barbeio de leve, sem escanhoar. Raramente substituo adjetivos que saltaram à tona, como peixes. Chamo a isto doigté e está acabado. E isto porque dia a dia mais me enjoa a “forma” – tanto na composição da frase como no “raconto”, como diz o Fialho em seu volapük. Tomei-me de tal engulho pelo naturalismo formalístico, impessoal – pedaços da natureza vistos através dum molde – que o considero máquina de fabricar lingüiça. Entram pela boca Zola, Aluísio e tutti quanti, sobraçando o assunto; dá-se à manivela e sai do outro lado sempre a mesma lingüiça, na forma e no comprimento, apenas com leves diferenças no tempero interno. (2:55-56)
4. Se por “saber português” entendes conhecer por miúdo os bastidores da Gramática e a intrigalhada toda dos pronomes que vem antes ou depois, concordo com o que dizes na carta: um burro bem arreado de regras será eminente. Mas para mim “saber português” é outra coisa: é ter aquele doigté do Camilo, ou a magnificente allure processional do Ramalho, ou a sublime gagueira do Machado de Assis. Aqui em S.Paulo o brontossauro da gramática chama-se Álvaro Guerra, um homem que anda pela rua derrubando regrinhas como os fumantes derrubam pontas de cigarro. As regras desse homem tremendo, quando vêm ao bico da pena dos escritores, matam, como unhas matam pulgas, tudo o que é beleza e novidade de expressão – tudo que é lindo mas a Gramática não quer outro gramaticão daqui escreveu um enorme tratado sobre a Crase; e consta que o Sílvio de Almeida tem 900 páginas inéditas sobre o Til. O livro vai chamar-se: “Do Til”... (2:168-169)
5. Língua, ou melhor, gramática, é como religião ou credo político. Cada qual tem o seu, e não se discute. (12:79)
6. – A gramática, minha filha, é uma criada da língua e não uma dona. O dono da língua somos nós, o povo – e a gramática o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramática. Se todos nós começarmos a usar o tu e o você misturados, a gramática só tem uma coisa a fazer...
- Eu sei o que é que ela tem a fazer, vovó! – gritou Pedrinho. – É pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas...
Dona Benta aprovou. (28:193)
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Ver: LÍNGUA 6 ( 5:29-33 )