tag:blogger.com,1999:blog-88153180914356036232024-02-19T09:00:26.595-08:00DICIONÁRIO... DE MONTEIRO LOBATOcuradoria de Nelson Ricardo Cândido dos SantosPe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.comBlogger107125tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-92013350548592505732016-07-12T16:29:00.000-07:002016-07-11T05:36:44.797-07:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-XgM-lFeouqQSrRi-mqtla8cDnUuvo1Jro2SmixlGlirT3zx012PseAPOJoLMiOVgOmRSruA5xVdn5WEwlNPs7vig4d4jHFGtxFKyxf93NRA8_2rP8MNSWgZevw2FTyb_5ojwLxX71b8/s1600-h/gd060129.jpg"><img alt="" border="0" height="293" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5047492951268047186" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-XgM-lFeouqQSrRi-mqtla8cDnUuvo1Jro2SmixlGlirT3zx012PseAPOJoLMiOVgOmRSruA5xVdn5WEwlNPs7vig4d4jHFGtxFKyxf93NRA8_2rP8MNSWgZevw2FTyb_5ojwLxX71b8/s320/gd060129.jpg" style="cursor: hand; display: block; height: 390px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 309px;" width="237" /></a><br />
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Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-22601322809753327632016-07-11T05:33:00.003-07:002016-07-11T05:33:30.757-07:00APRESENTAÇÃO<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<span style="color: red; font-size: large;"><br /></span>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Monteiro
Lobato, conhecido como contista excepcional e o mais importante autor de livros
infanto-juvenis do Brasil, foi, acima de tudo, um grande pensador. Pensou a
literatura, a arte em geral, a indústria gráfica brasileira, o petróleo
nacional e tudo o mais que se relacionava ao cotidiano de um cidadão em sintonia
com seu tempo e com os olhos voltados para o futuro e a mente enriquecida pela
cultura milenar do homem ocidental.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">A vida de
Monteiro Lobato sempre exerceu sobre mim um imenso fascínio e admiração, a
ponto de, em uma época de minha vida de adolescente, conhecer tanto de sua vida
que minha família chegou a pensar em inscrever-me em um programa de televisão
em que se concorria a um grande prêmio a pessoa que dominasse profundo
conhecimento sobre algum assunto.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Meu primeiro
contato com Lobato foi através do ‘Jeca Tatuzinho”, na época distribuído
gratuitamente nas escolas pelo “Biotônico Fontoura, cuja história me foi lida
na cama, antes de dormir, pela minha mãe, quando eu ainda estava sendo alfabetizado
no primeiro ano do Curso Primário, em 1966. No ano seguinte, passei a conhecer
as aventuras de Narizinho, Pedrinho, Emília e os outros personagens de Lobato
através do “Sítio do Picapau Amarelo”,<span class="apple-converted-space"><span style="background: white;"> na segunda versão para a televisão produzida</span></span>
por Julio Gouveia (1914-1988) e Tatiana Belinky (1919-2013). </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Já
alfabetizado, o primeiro livro que li foi uma versão do “Robinson Crusoé” feita
por Lobato. Em um domingo ou feriado, acordei antes de todos em casa e fui à
pequena biblioteca que minha mãe havia montado em casa na última reforma da
casa que ela planejara. Pequei o livro e comecei a ler. Passei o dia todo com
ele à minha frente, devorando as aventuras do náufrago. Almocei e lanchei
lendo, não assisti aos programas de televisão e, à noite, antes de dormir, eu
havia acabado de ler todo o livro.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">As histórias
escritas do Sítio eu só li no Carnaval de 1974, já adolescente. Cheguei a ler
mais de um livro por dia, simplesmente encantado com a narrativa, divertindo-me
muito com as aventuras dos personagens do Sítio. Anos mais tarde, já adulto,
cursando Letras na USP, voltei a ler a obra completa de Lobato e me diverti
ainda mais, descobrindo que as chamadas obras infantis do criador de Emília
divertiam igualmente os adultos, com suas críticas políticas e sociais, que a
criança não capta.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Na faculdade
de Letras, fui-me envolvendo com a Literatura Infantil e Juvenil, passando a
estudar a teoria literária presente nela, desejando, por fim, dedicar-me a esse
estudo mais profundamente, através da pós-graduação.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Eu havia
percebido que existiam muitas obras no Brasil dedicadas a essa área, mas que
não apresentavam qualquer novidade. Ao contrário, algumas pareciam ter bebido
na mesma fonte, citando a mesma passagem de uma carta de Lobato em que ele fala
da literatura infantil, antes mesmo de dedicar-se a ela. Refiro-me a um trecho
de uma carta de Lobato a Godofredo Rangel, presente no segundo volume de “A
Barca de Gleyre”, no qual, entre outras coisas ele afirma: “Ainda acabo fazendo
livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar,
como morei no <i>Robinson </i>e n’<i>Os Filhos do Capitão Grant.</i>“ Como eu já
estava conhecendo razoavelmente bem toda a obra de Monteiro Lobato, achei um
absurdo a repetição da mesma citação, acreditando mesmo que os autores não
haviam, de fato, lido os livros dele.
Havia uma riqueza tão grande de comentários sobre literatura e arte em geral,
que se tornava inconcebível ater-se a apenas um comentário, embora importante, sem
conhecer e reconhecer essa riqueza.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Foi neste
momento que tive a idéia de organizar um dicionário com a “teoria” literária e
estética de Monteiro Lobato, com outras ligações por afinidade aos temas.
Percebi não se tratar de uma “teoria” sistematizada, mas refletida ao longo de
toda a vida e obra do pai do Jeca. Fui recolhendo citações cabíveis em meu
projeto em cartas, contos, livros classificados como infantis e em toda a sua
obra adulta. Uma “teoria” escrita tão naturalmente que diverte quem a lê, sem
deixar de compreender sua seriedade.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;"> O primeiro problema não foi o acesso a toda a
obra de Lobato, pois, além das obras completas, eu também possuía antigas
revistas e livros em que apareciam textos desse autor, inclusive em versões
anteriores à final, que passaram a incorporar as “Obras Completas”, organizadas
por Lobato. O maior problema era organizar o dicionário, numa época em que o
computador pessoal não era uma realidade. Eu datilografava folhas que iam sendo
encaixadas em ordem alfabética. Era muito trabalhoso e cansativo. Desanimador,
mesmo. No meu tempo de folga – nessa época, início dos anos 1990, eu trabalhava
muito, pois tinha um restaurante e uma doceria que me tomavam muito tempo – eu
ia organizando o dicionário. Somente em 1993 comprei o meu primeiro computador
pessoas, na época o melhor que havia, mas que na verdade era uma espécie de
máquina de escrever elétrica, com a vantagem de gravar em sua memória tudo o
que eu havia pesquisado e ia digitando, podendo corrigir e intercalar textos
conforme os ia lendo. Reli tudo o que Monteiro Lobato havia escrito e que
estava em minhas mãos, num total de 28 volumes. Em julho de 1994, antes de
realizar uma viagem ao Pantanal Matogrossense (o destino, na verdade, era
Macchu Picchu), terminei de organizar o Dicionário, idealizado a três ou quatro
anos antes.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Houve ainda um
outro problema. Este Dicionário também foi idealizado como trabalho de Mestrado
<st1:personname productid="em Literatura. Fui" w:st="on">em Literatura. Fui</st1:personname>
aprovado na FFLCH da USP, iniciando meu curso em 1991, logo após concluir a
graduação na mesma Universidade. No entanto, a estrutura da Academia não
permitia que eu desenvolvesse esse trabalho, o que me desanimou. Com a morte
repentina de meu sócio no restaurante no final de 1992, assumindo devido a isso
mais responsabilidades, abandonei o curso de pós-graduação, pois não estava
atendendo aos meus objetivos.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">A partir de
meados de 1993, vendi a minha parte no restaurante e resolvi me dedicar
exclusivamente à Literatura, mantendo-me com o que consegui guardar da venda do
negócio. Embora com mais de trinta anos, ainda estava muito imaturo para ser um
escritor (ainda hoje, com mais de cinqüenta, tenho as minhas dúvidas se um dia
estarei realmente pronto) e consegui produzir muito pouco. Mas o Dicionário foi
fruto desse período.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Se fosse um
trabalho para o Mestrado, teria de haver uma análise muito bem realizada e
refletida sobre o tema, mas dispensei essa análise, uma vez que o texto de
Lobato fala por si, sem necessitar de intérprete ou análise. Por essa razão,
sinto-me não um organizador, mas um simples curador deste Dicionário. Um
dicionário que é, antes de tudo, uma leitura agradável e divertida, em que a
personalidade de Monteiro Lobato se revela plena em inteligência, ironia, humor
e sabedoria.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Concluindo, este
dicionário procura centrar-se no pensamento de Monteiro Lobato sobre a
literatura, a arte e temas afins. Com certeza, nunca será uma leitura
enfadonha, pois é impossível enfadar-se com Monteiro Lobato; será, sim, uma
leitura agradável e divertida, em que a personalidade do criador do Jeca Tatu,
da Emília e de tantas outras personagens que entraram para o imaginário
nacional se revelará de forma plena.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Por ser fruto
de alguns anos de trabalho (não deixa de ser um “filho” meu), não poderia este
Dicionário ficar encerrado em uma gaveta (ou como um arquivo em meu computador).
Dá-lo a público é, acima de tudo (assim o espero), um incentivo à leitura ou
releitura da obra adulta e infanto-juvenil de uma das mais importantes
personalidades da cultura brasileira</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<span style="color: red; font-size: large;">Leitura
obrigatória para todo amante da arte, da literatura e da cultura nacional e
universal, que certamente levará à leitura ou à releitura da obra deste genial
autor brasileiro.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.4pt;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
</div>
Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-70995358220962343142007-03-29T16:17:00.000-07:002007-03-29T16:18:07.783-07:00ACADEMIA (Brasileira de Letras)<span style="color:#3333ff;"> 1. A Academia está descendo porque a sina deste país é a descida. O primeiro erro da Academia foi fixar em 40 o número de membros. A única razão para a escolha desse número, ou a dum número qualquer, só pode ser um precedente — a menos razoável de todas as razões. Por capricho dum rei, a França organizou uma academia de 40 — e os nossos pitecos, zás, academia de 40! Mas se a França, por um critério bastante cabo de esquadra, acha que os imortalizáveis devem ser 40, parece-me pretensão bastante pitecóide que um país como o nosso também pretenda tanto. Vem daí que para um Machado de Assis, um Bilac, um Neto, valores reais, torna-se necessário meter lá "enchimentos", como o Dantas e outros. E a própria Francesa recorre a enchimentos — uns marqueses, uns duques, uns prelados. O resultado vai ver, cá na nossa, que acabarão entrando até presidentes da República, porque não há razão para que a um general Dantas Barreto não se siga um Marechal Hermes da Fonseca.. E assim a nossa Academia irá descendo, como tudo mais em nossa terra, até ficar uma panelinha de gente equívoca. Acho, pois, que um homem de letras visceral como você não deve nunca pensar em academizar-se. Muito preferível que de fato te imortalizes com três ou quatro romances a Flaubert, dos sólidos e imperituros. A Academia está ficando a Guarda Nacional da Literatura Indígena. (1:331)<br /> 2. A idéia da Academia falhou por birra minha. Não quis transigir com a praxe lá - a tal praxe de implorar votos, e eles são extremamente suscetíveis nesse ponto. Um acadêmico aqui de S. Paulo chegou a dizer: "Se o Lobato me pedisse o voto, claro que eu o daria; mas não pedindo, prefiro votar num pedaço de pau". Ora, não há gosto em fazer parte dum grêmio de mentalidade assim e não pedi nada a ninguém; fiz mais: mandei outra carta desistindo da minha candidatura. O Carlos de Laet não leu essa segunda carta em sessão, alegando que deixaria a Academia mal. "Seria o mesmo que pedir uma moça em casamento e depois escrever que não a quer mais. Todos ficam fazendo mal juízo da honra da "des-pedida". (2:244)<br /> 3. Fui convidado para dirigir um jornal e estou pensando. Não me seduz o jornalismo. "E a Academia?" perguntas. Não sei, Rangel. Tenho medo de academias, coisa algemante, e não possuo o "feitio acadêmico", já o disse o Vicente de Carvalho. A Academia é bonita de longe, como as montanhas. Azulinha. De perto... que intrigalhada, meu Deus! Que pavões! Quanta gralha com penas de pavão lá dentro!... E depois, aquela farda! Já figuraste o grotesco do fardão? Eu, metido naquilo! Você, metido naquilo! O Ricardo, metido naquilo, com o espadim de cortar papel à cintura... Não sei por que um acadêmico fardado me lembra caixão de defunto. Os galões, talvez. (2:282-283)<br /> 4. Aquela Academia é o maior ninho de intrigalha do mundo. Houve tanta coisa neste meu período de entra-não-entra que fiquei avaliando que inferno é a vida dos desgraçados mortais que se imortalizam com aspas. Um conselho te dou: nunca penses em entrar para lá ou para qualquer outro grêmio. É neles que a gente se desilude totalmente dos homens — que vê como são bestas e mesquinhos. O meio de vivermos em paz neste mundo está no isolamento. Diz o ditado que quem se mete com crianças sai mijado - e sai cagado quem se mete com adultos. (4:139)<br /> 5. Recebi a tua última. Não podes entrar para a Academia por causa da "desordem da tua vida urbana"; no entanto, ela admite a frescura dum J. do R.. Os imortais, a contar de Júpiter, sempre viram com indulgência os Ganimedes... Enfim, são brancos, digo imortais, lá se entendem. Eu acho a Academia uma bela coisa, depois que o Alves a enriqueceu. É positivamente um negócio imortalizar-se vitaliciamente. Porque duma maneira ou doutra a renda do legado há de reverter em benefício dos frades da ordem. Talvez isso explique o recrudescimento do avança que se nota agora a cada vaga. (13:40-41)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-69926237233200751842007-03-29T16:16:00.001-07:002007-03-29T16:16:59.580-07:00ADJETIVOS<span style="color:#3333ff;">A observação sobre os teus adjetivos pode ser generalizada. Apliquei-a aos teus porque me veio enquanto te lia. Nos grandes mestres o adjetivo é escasso e sóbrio — vai abundando progressivamente á proporção que descemos a escada dos valores. Um jornalistazinho municipal, coitado, usa mais adjetivos no estilo do que Pilogênio na caspa.<br />Eles pingam adjetivos. Contei os adjetivos em Montaigne, Renan e Gorki. Sóbrios. Shakespeare, quando quer pintar um cenário (um maravilhoso cenário Shakespiriano!), diz, seco: "Uma rua". O Macuco diria: "Uma rua estreita, clara, poeirenta, movimentada, etc". O Macuco espalhou mais adjetivos pelo Belenzinho do que gonococus - e nunca houve uma espingarda que o abatesse!...<br />Tolstoi só usa o adjetivo quando incisivamente qualifica ou determina o substantivo. Tenho que o maior mal da nossa literatura é o "avança" do adjetivo. Mal surge um pobre substantivo na frase, vinte adjetivos lançam-se sobre ele e ficam "encostados", como os encostados das repartições públicas. A moda de hoje é o adjetivo eciano. Aquele "cigarro lânguido" do Eça fez mais mal à nossa literatura do que a filoxera aos vinhedos da Champagne.<br />Isto me veio ao ler em teu Diário a "mancha" sobre o lampião da sala. Se expulsasses dali todos os adjetivos encostados, aquilo ganharia oitenta por cento. (1:106-107)<br />.......................................................................................<br /><br />Ver: ESCREVER 5 (2:51-52)<br /> ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 3 (2:52-54)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-26405945736430433742007-03-29T16:15:00.000-07:002007-03-29T16:16:13.410-07:00ARTE<span style="color:#3333ff;"> 1. Na penúltima carta dás como definição de arte do Taine a sua definição de obra d'arte, coisa muito diferente. Definição de arte foi coisa que o sensato e cautelosíssimo Taine teve o espírito de não tentar, para não dar a topada que todos os definidores vêm dando desde a Grécia. Todas as definições de arte que conheço degeneram em noção, e isto pelo absurdo de aplicar o processo definitório, coisa puramente científica e lógica, ao fato mais incientífico e ilógico da humanidade - a Arte. Com os sextantes mede-se a altura das estrelas, mas não se medirá nunca a altura do amor duma menina. Quanto à tua questão de "arte científica", não pesco um xis. Ciência — conjunto de conhecimentos sobre as leis dos fenômenos; arte — concretização de emoções. Misturar estas coisas é tentar a combinação química de ovos e batatas. (1:91-92)<br /> 2. Dizes que Inocência não te agradou porque não tem muita arte. Mas que é arte senão esse dom de criar simpatias, provocá-las, revelá-las, traduzi-las? Que valem as torturas artísticas dum Goncourt perto duma página de Manon Lescaut ou Paulo e Virgínia? Arte, esse torturado de borzeguim medieval ou o encanto, a simpatia humana de Manon? Bem sabes que Manon Lescaut é livro eterno - e Goncourt já passou. A arte deste só o é para um punhado de homens afins, num certo tempo — a arte de Manon é para toda gente, em todos os tempos.<br />A arte de Inocência me parece eterna porque é simpática, como a definiste — e que é simpatia? Uma correlação, uma corrente de indução entre A e B. Existe alguma arte que não produza esta corrente? E não deixa de ser artística a obra d'arte que a produz. Quem lê hoje uma obra antiga, se esta obra não traz incubada a força da simpatia que se traduz no prazer da leitura? (1:126)<br /> 3. Acho tua arte subjetiva em excesso — e a grande arte é objetiva (Shakespeare, Tolstoi, Zola, Balzac, Molière). Descreves um caso isolado, único, quando a arte está no contrário, na universalização; o particularismo cabe à ciência. (1:173)<br /> 4. A arte nasce quando o homem cessa de lutar contra o meio adverso. Nasce como florada conseqüente á completa evolução da planta. Na Grécia, a benignidade do clima e a amenidade da natureza não ofereciam resistência ao homem, e as forças que este, em caso contrário (caso da Índia, do Brasil, da Sibéria, por exemplo), despenderia em reações contra o meio agressivo, convergiram para enseivar o instinto estético, dando origem à maravilhosa eclosão das artes clássicas. (7:71)<br /> 5. A obra d'arte não tem valor intrínseco. Não há valor intrínseco. O valor de um poema reside em o número de espíritos por ele emocionados. As obras más caem por escassez de partidários. (7:72)<br /> 6. A arte nasce quando o homem domina o meio adverso; como um luxo, como floração da planta após a vitória desta sobre todos os óbices opostos à sua desenvoltura. Na Grécia, a amenidade ambiente, não opondo resistências ao homem, permitiu que, em vez de dispersar suas forças contra a natureza agressiva, ele as convergisse para a inflorescência.<br />Nós no Brasil ainda estamos a crescer, a enfolhar, a radicar. Por isso o que chamamos arte não passa de simples reflexos de artes alheias. Arte como a grega - em bloco, conglomerada, todas reunidas em torno dum mesmo tronco (um ideal racial) como vergônteas de igual pujança - tê-la-emos um dia, no ano 2.000 ou 2.500 quem o sabe? E tê-la-emos porque não há planta que não venha a flor. Se vem a rosas ou a flor de abóbora, já é outro caso. (7:99)<br /> 7. Sem a intervenção da arte é impossível transmitir aos pósteros a sensação exata do que se passou. Só a arte sabe perpetuar o que foi a vida. (8:71)<br /> 8. As belas artes, filhas, uma da rêverie, qual a música; outra, da sensação visual, como a pintura; outra, da álgebra das proporções, como a arquitetura; outra, da escolha e estilização da forma tátil, como a escultura; outra, da ideação vocabular, como as belas letras: todas se condicionavam a épocas e povos como peculiaridades. Na Grécia de Péricles, a escultura; na Itália de Leão X, a pintura; na Alemanha do século 18, a música; na França, o teatro; na Inglaterra, a novelística. (8:117)<br /> 9. Arte não é isso; arte não é reprodução fiel; arte é vida; só é artista aquele que reproduz a sensação da vida em toda a sua intensidade com tudo que ela tem de bom e mau, de coerente e de absurdo, de feio e de formoso, de estúpido e gracioso. A arte é uma objetivação do subjetivo, e como objetivar sentimentos quando estes não existem, quando estes não vibram dentro do artista? (11:129-130)<br /> 10. O valor duma obra d'arte cota-se pelo seu coeficiente de temperamento, cor e vida - os três valores que lhe travam a unidade, promanantes, um do homem, outro do meio, outro do momento. A arte descentrada dessa tripeça de categorias e que tem como fator-homem os "heimatlos" (homem de muitas pátrias, posto em evidência pela guerra); que tem como "terroir" o mundo e como época o Tempo, ser uma soberba alcachofra quando o volapuk senhorear o globo: por enquanto, não!<br />Donde uma conclusão lógica: o artista cresce à medida que se nacionaliza. É mister que a obra d'arte denuncie ao mais rápido volver d'olhos a sua origem, como as raças denunciam pelo tipo individual o grupo etnológico. (16:46)<br /> 11. Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem da latitude nem do clima.<br />As medidas da proporção e do equilíbrio na forma ou na cor decorrem do que chamamos sentir. Quando as coisas do mundo externo se transformam em impressões cerebrais, "sentimos". Para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em desarranjo por virtude de algum grave destempero.<br />Enquanto a percepção sensorial se fizer no homem normalmente, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá "sentir" senão um gato; e é falsa a "interpretação" que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. (16:60)<br /> 12. Ciência e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte é harmonia e Ciência é verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desarmônica e a harmonia falsa. (17:96)<br /> 13. As crianças vinham descendo a escada dos pedreiros e breve apareceram fora do templo.<br /> — Corram aqui! — gritou-lhes Dona Benta. — Estão perdendo uma coisa única no mundo - a frisa do Partenon explicada pelo Senhor Péricles.<br /> Os meninos aproximaram-se.<br /> — Que tal acha estes cavalos, Pedrinho? — perguntou Dona Benta. — São da Tessália.<br /> O menino examinou-os com ares de entendido.<br /> — Bons, sim, vovó. São "manga-largas" legítimos - só que têm o focinho muito fino. Os cavalos que eu conheço não são assim.<br /> — Nem os daqui — disse Péricles. — Os escultores não reproduzem a natureza tal qual é. Modificam-na num certo sentido, com uma certa intenção. Arte é isso.<br /> — Mas então o belo não é natural "escarrado", vovó? — perguntou o menino.<br /> — Não, meu filho. Se fosse, os melhores museus do mundo seriam as escarradeiras, e a maior das artes seria a fotográfica, porque a fotografia reproduz exatamente a natureza. A arte é uma estilização, isto é, uma falsificação da natureza num certo sentido, como acaba de dizer o Senhor Péricles. Você bem sabe que não é nas fotografias que encontramos o belo - é nos desenhos que modificam o real segundo o gosto do desenhista. (27:150-151)<br />................................................................................................<br /><br />Ver: DRAMA (1:174)<br /> ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-67009541635592875592007-03-29T16:14:00.000-07:002007-03-29T16:15:05.427-07:00ARTE MODERNA<span style="color:#3333ff;"> Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo, e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura e regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma — mas caricatura que não visa, como a verdadeira, ressaltar uma idéia, mas sim desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.(...)<br />"Arte moderna": eis o escudo, a suprema justificação de qualquer borracheira.<br />Como se não fossem moderníssimos esse Rodin que acaba de falecer, deixando após si uma esteira luminosa de mármores divinos; esse André Zorn, maravilhoso virtuose do desenho e da pintura; esse Brangwyn, gênio rembrandtesco da babilônia industrial que é Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta das manhãs, das águas mansas e dos corpos femininos em botão.<br />Como se não fosse moderna, moderníssima, toda a legião atual de incomparáveis artistas do pincel, da pena, da água forte, da "ponta seca", que fazem da nossa época uma das mais fecundas em obras primas de quantas deixaram marcos de luz na história da humanidade. (16:61-62)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-53877177333895713412007-03-29T16:13:00.000-07:002007-03-29T16:14:17.756-07:00ARTISTAS<span style="color:#3333ff;">1. Somos uns pelicanos, Rangel. Vivemos a arrancar penas, carne e coisas de nós mesmos para que não morram os nossos pobres filhinhos literários. Os artistas subjetivos que só tiram de si em vez de tirar do mundo que os rodeia, ficam introspectivos em excesso e acabam satisfazendo a um público muito restrito: a si mesmos. Mas os artistas objetivos, os Kiplings, sugestionam e fazem estremecer de emoção grandes platéias - e o aplauso da platéia é o feijão com arroz de todos os artistas. (1:220-221)<br />2. Os artistas deixam a estrada real por onde segue toda gente e caminham por veredas laterais. Os grandes abrem picadas, os miúdos repisam-nas. (7:98)<br />3. Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em conseqüência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres.<br />Quem trilha por esta senda, se tem gênio é Praxiteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Dürer na Alemanha, é Zorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno desses sóis imorredoiros.<br />A outra espécie é formada dos que vêem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedoiro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento.<br />Embora se dêem como novos, como precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e a mistificação. (16-60)<br />.......................................................................................<br /><br />Ver: ARTE 10 (16:46)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-8529555452887553342007-03-29T12:15:00.000-07:002007-03-29T16:13:15.848-07:00ASSOCIAÇÃO DE IDÉIAS<span style="color:#3333ff;">— Essa fábula está com cara de ser sua, vovó — disse Pedrinho. — Eu conheço o seu estilo.<br />— E é, meu filho. Inventei-a neste momento, e sabe por quê? Porque me lembrei daquela peúva caída lá no pasto e dum jabuti que estava escondido debaixo dela. Sei quanto dura a madeira da peúva e sei quanto vive um jabuti - e a fábula formou-se em minha cabeça. E todas as fábulas foram vindo assim. Uma associação de idéias sugere as historinhas.<br />— Associação de idéias é isso?<br />— Sim. A gente pensa numa coisa. Esse pensamento puxa outro. Esse outro puxa terceiro. É o que os sábios chamam associação de idéias. (28:259)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-62527557679915377392007-03-28T06:21:00.002-07:002007-03-28T06:22:50.086-07:00CAPÍTULOS<span style="color:#3333ff;">Recebi <em>Vida Ociosa</em>. Parece-me aconselhável trocar a simples enumeração dos capítulos, coisa anti-comercial, pela denominação dos capítulos, coisa comercialíssima. Acho horrivelmente árido um romance de capítulos numerados. E é fértil o em que cada capítulo tem um titulozinho tentador. Como faz Mestre Machado. O do Léo Vaz também é assim. Tudo que nos livros predispõe bem o público ledor e comprador é agradável a Deus. Se queres, eu mesmo batizo os capítulos - ou então mandas-me daí os nomes. (2:189)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-41971494728429279112007-03-28T06:21:00.001-07:002007-03-28T06:21:52.423-07:00CARICATURA<span style="color:#3333ff;">Diga-se, por exemplo, da caricatura, maldade velha que nasceu quando o animal que ri farejou no repuxo dos músculos faciais um meio de matar às claras -matar moralmente, já se vê. E que nasceu na Grécia para veículo dum sutil alcalóide de nome "eironeia", do qual foi Sócrates um hábil manipulador. E desde então nada se forrou a esse veneno - nem homens, nem deuses, nem cavalos.(...)<br />Não há país onde a caricatura não vice em folhas periódicas como um gênero de primeira necessidade, indispensável ao fígado da civilização. Como a ironia e o chiste não são plantas vulgares, e porque o rir-nos uns dos outros é da higiene humana, custeia cada povo as suas mutucas - os seus caricaturistas - como as cortes medievais, por fome de lirismo, cultivavam poetas oficiais de pégaso arreado à porta para pulinhos ao Parnaso em dia de anos do rei ou nascimento de algum principezinho. E em nada se estampa melhor a alma de uma nação, do que na obra de seus caricaturistas. Parece que o modo de pensar coletivo tem seu resumo nessa forma de riso. (16:3-7)<br />..............................................................................................<br /><br />Ver: ARTE MODERNA (16:61-62)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-45119321917673395212007-03-28T06:20:00.000-07:002007-03-28T06:21:16.025-07:00CARICATURA NO BRASIL<span style="color:#3333ff;">Numa história geral da caricatura a história da nossa terá meia página, se tanto. E explica-se a mingua. Enquanto colônia, era o Brasil uma espécie de ilha da Sapucaia de Portugal. Despejavam cá quanto elemento antissocial punha-se lá a infringir as Ordenações do Reino. E como o escravo indígena emperrasse no eito, para aqui foi canalizada de África uma pretalhada inextinguível. Até a vinda de D. João o Brasil não passava de índio e mataréu no interior e senhores, feitores e escravos nos núcleos de povoamento da costa, muito afastados entre si e rarefeitos. Em toda essa fase o Brasil não dá de si nenhum bruxoleio de arte.<br />E assim vai até que um tranco de Napoleão dá com o rei de Portugal para cima do Rio de Janeiro. Apesar da pressa com que arrumou as malas, D. João VI trouxe todos os ingredientes para uma boa implantação aqui: fidalgos de orgulhosa prosápia, nobres matronas, almotacés, estribeiros-mores, açafatas da rainha, vícios de bom tom, pitadas de arte e ciência e mais ingredientes básicos duma monarquia preposta a pegar de galho.<br />Infelizmente nenhum caricaturista acompanhou o transporte de tanta caricatura para as terras do Novo Mundo. Insanável lacuna! Que maravilhosos temas a época fornecia!...(...)<br />Se hoje temos Voltolino, Yantok e tantos mais e sobretudo esse J. Carlos que encheu toda uma época e pôs a arte da caricatura no Brasil a par da dos velhos países cultos, devemo-lo à grande idéia d'O Malho, de satisfazer as ingenuidades estéticas do poviléu.<br />Mas há uma coisa que impede o crescimento e a plena floração da nossa caricatura: a restrição cada vez maior da liberdade de crítica ao governo. E sem liberdade da mais ampla a caricatura fenece como a gramínea que tem sobre si um tijolo. Perde a clorofila. Descora.<br />Dá um esparguinho branco...(16:11...21)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-52395744375702436732007-03-28T06:19:00.002-07:002007-03-28T06:20:27.817-07:00CARTA<span style="color:#3333ff;">1. O gênero "carta" não é literatura, é algo à margem da literatura... Porque literatura é uma atitude - é a nossa atitude diante desse monstro chamado Público, para o qual o respeito humano nos manda mentir com elegância, arte, pronomes no lugar e sem um só verbo que discorde do sujeito. O próprio gênero "memórias" é uma atitude: o memorando pinta-se ali como quer ser visto pelos pósteros - até Rousseau fez assim - até Casanova.<br />Mas cartas não...Carta é conversa com um amigo, é um duo - e é nos duos que está o mínimo de mentira humana. Ora, como da minha conversa escrita com Rangel se salvasse quase todas as cartas, tive ensejo, um dia de lê-las - e sinceramente achei que constituíam uma "curiosidade editorial" de bom tamanho. E que teriam interesse para o público justamente porque ao escrevê-las nunca me passou pela mente que jamais fossem dadas a público. Mas vacilei. Dá-las ou não? Tão íntimo tudo aquilo. Tantas perversidadezinhas para com os amigos, tanta piada para cima do Nogueira - o companheiro que no fundo mais admirávamos... Além de que isso de cartas é sapato de defunto. Depois que o autor morre é que elas aparecem.<br />Pensei, pensei, pensei. Por fim, vá lá. Tenho sérias dúvidas sobre se estou ainda vivo - e se as cartas saírem com a minha revisão de semi-vivo, apresentar-se-ão podadas de muitas inconveniências que um semi-morto já não subscreve. (1:l7-18)<br />2. Por que usas etiquetas comigo? Tuas cartas vivem cheias de "faça o favor", "se não for incômodo", e mais fórmulas da humana hipocrisia. São tropeços. Quando te leio, vou dando topadas nisso. Faça como eu. Seja bruto, chucro, enxuto. (1:52)<br />3. ...De modo que essas três irredutíveis instituições humanas - o vizinhato, o cão e o namorado noturno - interpuseram-se como uma trindade de aço entre mim e a ciência do Paula Batista, e com tal prepotência que me vi forçado a afastar o poço da sabedoria e matar o tempo com uma quarta instituição humana: conversar por escrito. (1:72)<br />4. Apontas-me, como crime, a minha mistura do "você" com "tu" na mesma carta e às vezes no mesmo período. Bem sei que a Gramática sofre com isso, a coitadinha; mas me é muito mais cômodo, mais lépido, mais saído - e, portanto, sebo para a coitadinha. Às vezes o "tu" entra na frase que é uma beleza; outras é no "você" que está a beleza - e como sacrificar essas duas belezas só porque um Coruja, um Bento José de Oliveira, um Freire da Silva, um Epifanio e outros perobas "não querem"? Não fiscalizo gramaticalmente minhas frases em cartas. Língua de cartas é língua em mangas de camisa e pé-no-chão - como a falada. E, portanto, continuarei a misturar o tu com você como sempre fiz - e como não faz o Macuco. Juro que ele respeita essa regra da gramática como os judeus respeitavam as vestes sagradas do Sumo Sacerdote. Logo, o dever nosso é fazer o contrário.<br />(1:79-80)<br />5. Já notaste como é mais vivo o estilo das cartas, do que o de tudo quanto visa aparecer em livro ou jornal? Acho maravilhoso o prime saut das cartas. Eu queria ver em todos os teus livros o elance primesautier da última carta que me mandaste. A caraça do público, a "feição" do jornal, os moldes do editor, sempre antepostos aos nossos olhos quando "escrevemos para imprimir", acanham-nos a expressão, destroem-nos a alerteza do élan. Eu, por mim, só lia cartas e memórias como as do Casanova. (2:54)<br />6. Que idéia sinistra a tua, de publicarmos as minhas cartas! Seria dum grotesco supremo, porque cartas só interessam ao público quando são históricas ou quando oriundas de, ou relativas a, grandes personalidades. No nosso caso não há nada disso: não são históricas e nós não passamos de dois pulgões de roseira - eu, um pulgão publicado; você, um pulgão inédito. O interesse que achas nas tais cartas é o interesse da coruja pelas peninhas dos seus filhotes. Formam um álbum de instantâneos de nossa vida. Mas o público quer penas de pavão, plumas de avestruz ou aigrettes de garça: não quer peninhas de filhote de coruja. Todos iriam rir-se de nós, além de que estão cheias de maldadezinhas endereçadas a amigos e conhecidos, sobretudo por mim, que tenho a mania de arrasar tudo, a começar por mim mesmo. Não. Varra com a idéia. (2:198-199)<br />7. Fui mexer na minha tremenda papelada epistolar e tonteei. É coisa demais. É um mundo. Pus a Ruth separando aquilo e classificando por ordem de data - é o primeiro passo. O segundo será separar certas cartas, como as tuas, que são as mais numerosas; e como por milagre tenho aqui as minhas, estou vendo que desse passo vai sair coisa grossa e talvez muito interessante. Desconfio, Rangel, que essa nossa aturada correspondência vale alguma coisa. É o retrato fragmentário de duas vidas, de duas atitudes diante do mundo - e o panorama de toda uma época. Literatura, história e mais coisas. (2:351)<br />8. Heitor// Recebi a tua carta de 12, realização de um "projeto velho" e fico-lhe grato pelo te lembrares do exilado das Areias. Tem razão de ser a tua quizília pelo escrever cartas, veículo pequenino demais quando se tem muito a dizer e embaraçoso quando não há assunto. A carta é boa e fácil de se escrever quando há um negócio bem positivo a tratar e por isso o ideal delas me parece que são as cartas comerciais. Que gosto sentar-se à mesa sem vacilações, sem pensar, lançar no papel um bem caligrafado Am.º e Snr., para início de meio palmo de literatura sólida e sucinta! Infelizmente o destino não reserva para nós essa boa delícia... Mas vamos ao que serve. (3:100)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-62501702756473915142007-03-28T06:19:00.001-07:002007-03-28T06:19:48.932-07:00CLÁSSICOS<span style="color:#3333ff;">— O Visconde de Castilho foi dos maiores escritores da língua portuguesa. É considerado um dos melhores clássicos, isto é, um dos que escreveram em estilo mais perfeito. Quem quiser saber o português a fundo, deve lê-lo — e também Herculano, Camilo e outros.(...)<br />— Meus filhos — disse Dona Benta —, esta obra está escrita em alto estilo, rico de todas as perfeições e sutilezas de forma, razão pela qual se tornou clássica. (25:144-145)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-82428762099449456732007-03-28T06:15:00.000-07:002007-03-28T06:16:21.654-07:00CONCURSO LITERÁRIO<span style="color:#3333ff;">Recebi também uma carta do Samuel Soares, que se dá com você. Quer um absurdo - a minha intervenção para que os juizes dum tal concurso dêem atenção ao livro dele. Não só não sei quem são esses juizes, como isso de tentar influir juizes não é coisa que Témis admita. Ele que espere e se resigne à sorte. Os julgamentos dos concursos literários são feitos mais ou menos pelo sistema do "cara ou coroa". Se ele tiver sorte, ganhará. (4:229)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-43317559532958110382007-03-28T06:14:00.000-07:002007-03-28T06:15:15.194-07:00CONTO<span style="color:#3333ff;">1. Sou partidário do conto, que é como o soneto na poesia. Mas quero contos como os de Maupassant ou Kipling, contos concentrados em que haja drama ou que deixem entrever dramas. Contos com perspectivas. Contos que façam o leitor interromper a leitura e olhar para uma mosca invisível, com olhos grandes, parados. Contos-estopins, deflagadores das coisas, das idéias, das imagens, dos desejos, de tudo quanto exista informe e sem expressão dentro do leitor. E conto que ele possa resumir e contar a um amigo - e que interesse a esse amigo. (1:243-244)<br />2. Nunca escrevi contos e não sei se me será coisa possível. O que eu considerava contos, se releio agora me sabem a crônicas com pretensões humorísticas. No fundo não sou literato, sou pintor. Nasci pintor, mas como nunca peguei nos pincéis a sério (pois sinto uma nostalgia profunda ao vê-los - sinto uma saudade do que eu poderia ser se me casasse com a pintura), arranjei, sem nenhuma premeditação, este derivativo da literatura, e nada mais tenho feito senão pintar com palavras. Minha impressão predominante é puramente visual. Ora, sendo eu assim, vejo-me em apuros com os teus empurrões para a realização imediata.<br />Vou tentar - mas bem desesperançado. Se até aqui não produzi um só conto que mereça tal nome, isso demonstra minha inaptidão para esse gênero literário. (1:251-252)<br />3. Ando frio com o conto. Acho um campo muito restrito, coisa só para os grandes mestres. Engano pensar que por ser mais curto seja mais fácil, mais próprio de principiante. Este deve começar com um Rocambole e só depois de bem maduro fazer um continho. A propósito, lembro-me dum plumitivo de Pindamonhangaba, que me abordou um dia e contou da sua idéia de publicar um livro de pensamentos. E explicava: "Nós, principiantes, devemos começar pelo princípio, pelo primeiro grau; coisinhas leves, pensamentos; depois sonetos; depois contos e por fim novelas e romances". Ele andava com uma trena no bolso. (1:265)<br />4. Mas da idéia à realização o caminho é áspero. Talvez você tirasse do assunto a coisa que imagino. Eu não me atrevo - porisso reduzi o romance a conto - um conto que é apenas um frouxo programa do romance.<br />Toda gente considera o conto um gênero leve - e tomam o leve como sinônimo de fácil. Mas note que em todas as literaturas só emerge do conto um Maupassant para dez romancistas. Mesmo assim, achas que é possível meter Maupassant na plana de Balzac, Dostoievsky e Tolstoi? Não creio. É mister fazer bom e grande e o contista, embora alcance o bom, não pode chegar ao grande. É ourivessaria, não é arquitetura. Cellini fez o Perseu, mas faria o Taj Mahal? O meu Bocatorta conto é pobre maquete em gesso dum terrível monumento. Miniatura.<br />Viver um ano, dois, três, dentro dum romance, construindo um romance, como Flaubert. Que fôlego exige! Que saúde - e nós somos uns doentinhos. (1:280-281)<br />5. Li os Oitenta Contos n'O Dia. Interessante, mas frouxo no fim. Não acaba de modo satisfatório para o leitor e para Apolo. Fecho de conto é como fecho de soneto; é o tudo! É onde está o busilis. Porque o conto inteiro não passa dum preparo para o fecho - e se depois de cacetearmos o leitor com o tal preparo lhe dermos fecho desapontante, ele diz como cá a dona Nenê: "Outro ofício!" (2:234)<br />6. Outro conselho que darei para contos é não fabricá-los na cabeça, e sim colhê-los na vida. Quem cria os bons contos não somos nós, é a Grande Mestra - a Vida. Nós apenas os captamos e os pomos em forma literária. Dá-se com eles o mesmo que com os brilhantes. O garimpeiro acha-os, e depois o lapidador os transforma em maravilhosos solitários. Faça assim. Garimpeie. Pegue os contos da vida que passarem ao seu alcance - e bote-os em forma artística, sem visar coisa nenhuma senão o bom acabamento da obra. Faça assim que quando menos pensar estará com uma linda coleção de contos vivos, pois só são vivos os criados pela vida. (4:43)<br />7. Confundem-se geralmente os dois gêneros, e muito cronista por aí, dos mais perfeitamente caracterizados, jura que é contista. O verdadeiro conto não passa de uma narração incisiva e bem travada em todas as suas partes de modo a dar relevo a um fato, cômico ou trágico. Antigamente definiam-no como a narrativa agradável de coisas imaginárias. Com o advento do naturalismo ele ampliou o quadro e admitiu dentro mais coisas do que permitia a concepção antiga. Inda assim exige como essencial a narrativa em progressão na qual tudo tenda para o desenlace final, imprevisto e sugestivo. O conto nunca deixar de ser anedótico. É mister que o leitor, acabada a leitura, possa recontá-lo a terceiro, isto é, apresentar rapidamente o esqueleto, o arcabouço anedótico. Dos nossos contistas poucos seguem esta orientação. Deixam-se arrastar pelo devaneio, afrouxam a contextura da obra por meio de repetidas digressões, ou de excessivas minúcias descritivas, inúteis para o efeito final. São, em suma, em vez de contistas, cronistas. (10:34-35)<br />8. Se ainda escrevo de quando em quando, é por hábito, e para desencruar a fita desta máquina. E só escrevo quando o acaso me faz encontrar na rua um diamante bruto entre cascalhos, a que o mundo chama "conto". Quem os faz não é o escritor, sim a vida, como é a natureza que faz os diamantes. O escritor apenas os acha; e depois de achado, se não tem preguiça, toma-o do chão, lapida-o, e engasta-o numa trama de associações lógico-estéticas, que é o anel onde vai figurar o brilhante. (12:57)<br />9. ― Contos andam aí aos pontapés, a questão é saber apanhá-los. Não há sujeito que não tenha na memória uma dúzia de arcabouços magníficos, aos quais, pra virarem obra d'arte, só falta o vestuário da forma, bem cortado, bem cosido, com pronomes bem colocadinhos. ( 17:67 )<br />.......................................................................................<br /><br />Ver: CRIAÇÃO 4 ( 2:137-138 )<br /> CRIAÇÃO 7 ( 2:253-254 )</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-38681945987826294982007-03-28T06:13:00.002-07:002007-03-28T06:14:26.188-07:00CONTO POLICIAL<span style="color:#3333ff;">O conto policial está muito bem desenvolvido, e você diz bem: para esse gênero, só a língua daí. E quem sabe se é esse o teu caminho na literatura? Experimente-se. Nós nunca sabemos o que somos, e só o acaso nos revela. Quem sabe se não anda um Van Dyne ou um Conan Doyle oculto dentro de Artur Coelho? Esse gênero literário é o que mais se coaduna com a mentalidade cinematográfica que as fitas americanas criaram no mundo. (4:218)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-83754112119556907752007-03-28T06:13:00.001-07:002007-03-28T06:13:44.663-07:00CRIAÇÃO<span style="color:#3333ff;">1. Nós dois somos o inverso. Somos cracas eternamente grudadas ao pago natal. Somos cogumelos, chapéus-de-sapo, temos o aparelho de locomoção destituído de rodinhas amarelas - libras ou dólares. Somos ápteros. Pingüins! Nossas capacidades embotam-se na mesquinhez da introspeção e na sordidez tacanha de meiozinhos roceiros pífios, onde não há os caracteres fortes e sintéticos que o romance requer para não degenerar em teatrinho do João Minhoca; onde não há dramas - (como imaginar os Átridas em Areias); onde nada há que não seja choco. Desta Areias onde apodreço há três meses nem o gancho dum Shakespeare tirava sequer um título de drama.<br />Parece-me erro supor que o artista cria independentemente do meio. Meio pífio, artista pífio - obra d'arte pífia. Entre nós, só no Rio há ambiente para alguma arte - e porisso todos os que têm veia para lá acodem. Os que ficam no interior só dão de si água parada. Veja, Rangel - estamos nós dois condenados a ser água parada... Você casou; eu vou casar. Casamento: feixe de raízes que virão agravar ainda mais o nosso chapéu-de-sapismo. E, no entanto, nós temos talento, Rangel - sentimos isso, não? Ninguém sabe, ninguém percebe; talvez nunca desconfie disso o mundo - e no entanto temos talento! (1:176)<br />2. Vivo esperando a ocasião propícia - essa ilusão. Não há disso. Para quem de fato possui criatividade, todos os momentos são propícios. (1:177)<br />3. Ando com uma idéia. O Plínio Barreto insiste em que eu escreva um romance para a Revista e estou com idéia de um romance à Dumas ou Paulo de Kock, cheio de ação e diálogos, tudo tão violento que o leitor perca o fôlego. O público anda farto de psicologia e descritivo - a mania dos nossos romancistas atuais - e é a razão de deixá-los às moscas.<br />Vamos fazer uma coisa: destrinçar o segredo dos eternamente lidos. Depois seguiremos a maneira deles, mas sem nos afastarmos da observação, do real, do verismo que está em nossa essência. (2:127-128)<br />4. O fim visado num romance ou conto deve ser o máximo de impressão no leitor com o mínimo de meios. É nesse sentido que voga o meu barco. Progrido em "concentração", fujo sistematicamente à "diluição". Prefiro fabricar um martelo de pinga a um barril de garapa azeda. E se a ilusão me não transtorna o senso crítico, creio que estou com a verdade. Que verdade? A deduzida dos melhores capítulos das melhores obras dos melhores autores. Por que melhores autores? Porque mais intensa e duradouramente lidos. A Desforra ganharia se voltasse ao fogo para apertar o ponto. Ficaria metade em volume e o dobro em grau alcoólico.<br />A humanidade gosta de bebidas fortes - whiskey, rum, kümmel, vodka e mais "fogos líquidos". Já os xaropes e águas panadas, e mesmo a água pura, têm menos fregueses - e com eles ninguém se vicia.<br />Esta minha observação vai com todas as reservas. Ser assim no caso de aceitares como verdadeiro o meu critério de concentração. Porque em boa crítica todos os gêneros se equivalem, contanto que as obras sejam filhas do talento.<br />Ando a preparar um livro de contos - assinado Hélio Bruma - coisas antigas refeitas. A refusão limita-se a podas, desgalhes, descascamentos - sempre "des", isto é, concentração. E sinto que ganham com o desbaste. Em regra somos na mocidade extremamente excessivos, folhudos como certas árvores tão enfolhadas que não há ver nelas a beleza maior: o tronco e o engalhamento. (2:137-138)<br />5. O Presente da Loveling e o urso de Tolstoi são demonstrativos de que para bem dizer é mister escrever pouco e concentrado. A prolixidade é o grande mal. Antigamente eu "borrava" dez tiras e no último "a limpo" obtinha vinte. Hoje borro dez para obter cinco. Podo impiedosamente - e nunca me arrependo. Ontem li no Imparcial uma crítica do João Ribeiro que abunda nestas idéias. (2:140)<br />6. Quanto ao meu livro, espero completar aí uns quinze contos que me agradem; publico-os na Revista do Brasil e depois de impressos dou-lhes a forma definitiva. Só então arriscarei nos quinze contos os dois contos de réis que me custar a edição. Não tenho pressa nem entusiasmo. Já estou muito longe do assanhamento dos dezoito anos.<br />Se me seduz uma idéia, ponho-a em conto, mas sempre com muita preguiça. O gosto vem depois, na polidura do borrão, no acepilhamento, no envernizamento. O ato bestial de parir um monstrengo, informe, sujo de sangue e placentas, é o mesmo na arte e na vida feminina. O gosto da mãe começa depois de lavado e vestido o fedelho. (2:147)<br />7. Lá pelo fim do ano darei livro para o público. Contos. Inda hoje escrevi um. O Rapto. Fui a Campos do Jordão com o Macedo Soares e na estação de Pinda vi um aleijado num carrinho, enérgico, a ralhar com os filhos que o puxam. Senti uma coisa: aquele homem, apesar de aleijado, era o importante e rico da família, o que ganhava a subsistência de todos com as esmolas recebidas. Daí o seu tom mandão, apesar de viver sem pernas dentro do carrinho. Um conto formou-se em minha cabeça, e de volta despejei-o no papel, como quem despeja a bexiga.<br />Ando cheio de contos lá por dentro. Contos são bernes. A gente pega os germes aqui e ali, e eles ficam germinando, gestando-se em nossos misteriosos úteros subconscientes. Um dia, como o feto das mulheres aos nove meses, eles vêm à tona da consciência e anunciam-se: "Queremos sair!" E então escrevemos aquilo com a facilidade com que as fêmeas dão cria. Os contos fluem da pena para o papel como um "berne de tempo", bem esvurmado. O curioso é que quando produzo um conto, de forma nenhuma o tenho completo na cabeça; tenho lá dentro uma só coisa: a idéia central do conto. Tudo mais se forma no ato de escrever. A primeira frase que lanço determina as demais. N'O Rapto não havia nem rapto nem nada; só havia esta idéia central: um cego que justamente por ser cego era o único da família que ganhava dinheiro e tinha importância. (2:253-254)<br />8. Não concebo artista capaz de construir obra valiosa, se reside em cidade pequenina, marasmada. Só nos grandes centros há ambiente para a criatividade, uma excitação cerebral contínua, formada pelos mil estimulantes urbanos. Na roça o cérebro assenta, como líquido vascolejado posto a repousar. (7:20)<br />9. Há duas espécies de obras, a que é feita e a que sai de dentro da gente — que sai no momento próprio, com a naturalidade do feto a espirrar do útero materno depois de nove meses de sono. É sempre difícil e doloroso fazer uma obra; mas é facílimo e delicioso parir uma. O delicioso está no aliviar-nos de qualquer coisa que nos incomoda lá dentro — certas pressões.<br />Antes de mais nada, porém, meu caro Flávio, devo confessar-te que eu já morri. O que ainda anda cá pelo mundo é apenas a materialização ódica do Lobato morto. Quer que te conte como ele escrevia contos? Isso talvez te ajude no romance, esclarecendo a fisiologia estética. Lobato não fazia contos, paria-os.<br />Não escrevia deliberadamente; só quando a coisa vinha, quando a bolsa das águas rebentava e não havia remédio senão parir. Ele paria para aliviar-se de subitâneos engravidamentos — sobretudo os causados pela indignação. O seu livro mais interessante seria o em que contasse a obstetrícia da sua literatura.(...)<br />Estude o teu caso como um bom médico e veja se convém operar ou esperar que o útero o expila naturalmente.<br />Os engravidamentos do Lobato eram instantâneos. Há-os mais lentos. O que friso é a indispensabilidade do engravidamento e da chegada a termo. Estude-se, Flávio. Seja obstetrício. (12:50-55)<br />..............................................................................................<br /><br />Ver: CARTA 5 (2:54)<br /> LINGUA 1 (1:248-249)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-16193227512948973462007-03-28T06:12:00.000-07:002007-03-28T06:13:01.016-07:00CRÍTICA<span style="color:#3333ff;">1. E estou transformado na "última palavra" da crítica local, depois duns artigos sobre os trabalhos da minha namorada número 2 - a de função estética. O povo olha-me com uma espécie de terror sagrado, tantas foram as coisas bonitas que, em estilo de atelier de Paris, eu disse na análise dos quadros de Georgina - chama-se Georgina. O meio de sermos admirados pelo povo é não sermos entendidos. Outros artistas da terra, geniozinhos municipais, procuram-me; querem também que eu diga deles coisas incompreensíveis. E o diretor do jornal fez-me a honra de declarar que sou a "única autoridade crítica da terra". Quer dizer que também não me entende.<br />Ontem houve concerto no teatro e uma comissão veio implorar que do alto da minha Competência eu derramasse a potassa da Crítica sobre as gorduras do Desempenho. Desfiz-me em frases feitas desmerecedoras do meu Mérito e por fim prometi. E acabo de encher cinco tiras com quanto argot musical assimilei em S. Paulo nas críticas do Camarate e do Barjona. Falei em vocalização, registro de voz, euritmia, tonalidades cromáticas e outras pilhérias do caso. Saiu-me coisa tão boa que, relendo-a, eu mesmo não entendi nada. Imagine o sucesso que vai ser! (1:90-91)<br />2. Na "questão da simpatia" você me respondeu com argumentos ad hominem, o que em crítica não soa bem. Crítica tem que ser ciência, coisa alta, investigação dos fatos literários apenas. Fora disso a Crítica não passa de Impressionismo - ramo da literatura comum. Diz você: "Prefiro Goncourt a Manon". Mas isso não prova a superioridade de Goncourt sobre Manon. Do mesmo modo que se você preferir Silvestre Ferraz a Londres, isso não prova que Londres não seja a capital do Império Britânico. Voltaire preferia Scarron a Shakespeare, o que não impediu que a Posteridade preferisse Shakespeare a Scarron. Quem quer fazer-se crítico deve pôr-se de lado, afastar o subjetivo; e se não for assim, faz literatura em vez de crítica. (1:133)<br />3. Não concordo com a tua idéia de que todo crítico é um raté da literatura, porque a crítica é um ramo da literatura para o qual certos sujeitos nascem com aptidões especiais. Olhe Taine, Sainte Beuve, Macaulay. Mas não deixa de ser certo que muitos críticos de segunda são literatos fracassados em outros gêneros. Sentem o prazer satânico de se suporem numa sacada, e lá de cima cuspirem nos que passam pela rua. Prazer de juiz sentenciador - mas juiz que se nomeia a si próprio, não é nomeado pelo governo. Vingança, picuínha contra a Fatalidade. "Falhei no meu poema? Pois esperem que vou desancar todos os poemas alheios". O Albalat me parece dos tais. Aquilo de só admitir Homero, e ir filiando um estilo a outro até chegar ao de Homero, aquilo me parece ódio aos seus contemporâneos donos de estilo. (1:278-279)<br />4. Mas isto de opinião é como nariz, cada qual tem a sua e essa é a boa, como o bom e certo é o nosso nariz. Tu és maior em letras, e eu me saio um tolo com estas pedagogias. Lá tens tua arte; cá tenho a minha. Criticar é sempre dizer: "Eu faria assim". Ao que pode o Autor objetar como o Maneco Lopes: "E que tenho eu com isso?" Por essa razão não me meto a criticar as Águas. Dou apenas a impressão geral que pediste. (2:16)<br />5. Obrigado pelo oferecimento, mas prefiro que digam de meus livros os estranhos. Aos amigos quero-os calados: já lhes conheço a opinião e também conheço o grau de amizade de cada um. A amizade nunca foi boa crítica. E, entretanto, recorreria a ela se o livro empacasse. Quem quer um filho empacado? Mas não empacou. Fui feliz. Não pedi juízo crítico a ninguém e estou tendo mais e melhor do que realmente mereço. Ainda ontem falou a Gazeta de Notícias em artigo especial, e na véspera havia falado O País. Mando os recortes. De você eu queria uma crítica à nossa moda, confidencial, em carta - sobretudo apontando os defeitos. Um defeito apontado é muitas vezes um defeito corrigido. Já uma qualidade elogiada é quase sempre um vício futuro: o autor passa a apurá-la em demasia e cai no excesso, como o econômico cai na avareza ou o liberal na prodigalidade. (2:179)<br />6. Estás fazendo a crítica como a quero, à moda do Will Durant, na História da Filosofia. A crítica há de ser assim. A obra dos homens vista à luz da vida dos homens. O sucesso imenso de Durant vem de que pintou conjuntamente a vida dos filósofos e suas filosofias. Interpenetram-se tanto, a vida e as idéias da gente, que não há desligar as duas coisas. (12:49)<br />7. Tu és um monstro de orgulho, Flávio. Pois queres atacar ao Mário só porque ele exerceu o seu natural direito de crítica? Ele não te insultou, não te ofendeu. Como então revidar? Revidar o quê? Se tiras ao crítico a liberdade de criticar, matas a crítica, Flávio. Faço votos para que a Censura impeça a saída do teu artigo no Casmurro. Fica feio para você danar com um cabra criticamente só porque ele não gostou do teu livro da maneira pela qual querias que ele gostasse. (12:75)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-28808566507507492372007-03-28T06:11:00.000-07:002007-03-28T06:12:08.191-07:00CRÍTICO<span style="color:#3333ff;">1. Isto de falar na crítica e dar balanço aos críticos é sintoma de gravidez de livro. Mal a gente pensa em editar-se e já o pensamento nos vai para os tais que declaram ao público se somos gênios, talentos, simples promessas ou cavalgaduras. Que asneira fazer um livro! Arriscar a dolorosas decepções - para que e por quê, santo Deus? (2:109)<br />2. Chegada hoje tua carta de 14, com o recorte. Deu-me prazer que o 1.º artigo que aparece (ou que me chega) sobre as O.C. seja o teu, e não o de algum crítico profissional. Crítico diz o que convém; já você diz o que sente. (4:219)<br />3. A incompreensão, meu caro, é o grande mal da vida, e a compreensão a coisa rara, por excelência. Tu compreendes, e me compreendeste: um sujeitinho que trabalha na sua toca, descreve o que viu e sentiu, e no fundo chora das coisas serem como são e não como deveriam ser. Só isso. Tão simples e ninguém acerta. Os críticos comprazem-se em malabarizar sobre as teorias e explicações mais difíceis, que vão procurar longe, esquecidos sempre que a verdade anda-lhes ao pé, caseira e humilde. (13:56)<br />4. — Que quer dizer críticos? — perguntou Narizinho.<br />— Críticos são os homens sabidões que nos dizem o que é bom e o que não presta. São os nossos cicerones, ou guias, em assunto de arte. (22:225)<br />..............................................................................................<br /><br />Ver: CRÍTICA 7 (12:75)<br /> LÍNGUA 1 (1:248-249)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-91720751499555808712007-03-28T06:10:00.000-07:002007-03-28T06:11:07.302-07:00DEFINIÇÃO<span style="color:#3333ff;">Uma das características da boa definição é ser curta. "O homem é um bípede implume". Quando a definição se estende demais, tentando abarcar todos os mobilíssimos pseudopodos da coisa definida, degenera em "noção" ou "tratado" sobre a coisa. Deixa de ser definição, súmula da essência. (...)<br />O meio prático de pôr em prova uma definição é aplicá-la como um cobertor sobre a coisa definida; se a definição a cobre bem, não deixando nenhum rabinho de fora, é ótima. (5:12-13)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-43008246358736181622007-03-28T06:09:00.000-07:002007-03-28T06:10:22.628-07:00DESCRIÇÃO<span style="color:#3333ff;">Se <em>Águas e Arvoredos</em> está um borrão, posso anotar nas costas, não é assim? Um defeito, meu, teu, nosso: damos espaço demais ao cenário, com prejuízo das figuras. Em Camilo quase não há cenário; as almas vão logo entrando em cena. Shakespeare pinta-o com uma palavra. Nós nos perdemos nas mignardises da paisagem, a copiar até as perninhas dos carrapatos - vício que vem do tempo em que o Naturalismo zolaiesco nos seduziu. Mas aquilo era exagero propositado. Eles estavam botando a língua para o Romantismo. Tu tens paisagens belíssimas, mas estragadas pela abundância dos detalhes. Queres escrever tudo, quando o certo é apenas sugerir - é dar um rápido relevo de estereoscópio com meia dúzia de pinceladas rápidas e manhosas. Pinceladas-carrapicho, nas quais se enganchem as reminiscências do leitor. Forçamo-lo assim a colaborar conosco — ele vê mil coisas que não dissemos, mas que com os nossos carrapichos soubemos acordar dentro dele.<br />O mais belo e sugestivo cenário que conheço é um de Shakespeare no Henrique IV, ato 30, suponho: "A street". Nessa rua eu pus toda a impressão sugerida pelo transcorrer dos dois primeiros atos. Vi uma velha rua da cidade inglesa, como naquele meu momento me parecia que devem ser as ruas trafegadas por Falstaff. Qualquer outra indicação prejudicaria a idéia pré-sugerida lá no meu imo, colidindo. Isto mostra como a extrema sobriedade, quando hábil, desentranha maravilhas da imaginação do leitor — e o tolo as vai atribuindo ao romancista esperto. Em suma, o caso é esperteza, como nas fábulas do jaboti. Fazer que o leitor puxe o carro sem o perceber. Sugerir. Arte é isso só. (2:13-14)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-45547541438799616032007-03-28T06:08:00.000-07:002007-03-28T06:09:11.501-07:00DIÁRIO<span style="color:#3333ff;">Que te direi do teu Diário que já não tenha dito? Devorei-o, coisa de começar e não largar, e a impressão foi a dum filme que alternasse fotografias de idéias com fotomontagens de cenas. Diz você na carta que o mandou como reflexo do teu Eu atual, e vejo que muito já se distanciou daquele Rangel amoroso e em excesso descritivo dos anteriores volumes. Agora sim, está como compreendo um Diário: repositório de sensações de primeira mão, dos tais pensamentinhos que nos passam pela cabeça como relâmpagos, de idéias nascidas como em geração espontânea, insubsistentes, de vida curta como a dos fogos fátuos; poeira luminosa, pó de diamante da inconsciente e ininterrupta lapidação da nossa inteligência. Mil coisinhas enfim que se perderiam se não fosse a patena dum diário a recolhê-las. Perguntas em francês o por que da coisa e afirmas que Robinson não cuidaria disso. Chi lo sa? O maior prazer do nosso egoísmo é gozar a sensação da nossa personalidade — pelos ouvidos, ouvindo-nos — pelos olhos, vendo-nos — pela inteligência, introspeccionando-nos. O resto do mundo só nos importa pelos acréscimos, ou o "emprosperamento" que traz para o nosso Eu. Porque, afinal de contas, somos cada um o centro do Universo. Ora, um Diário conserva a imagem do nosso Eu no passado, fomenta-nos portanto os instintos do egoísmo, desse modo redobrando a sensação dos eus passados, isto é, das nossas fases evolutivas. Se um espelho comum já nos dá prazer, que valor não é um espelho retrospectivo que nos dê a cara dia a dia, pelo espaço de anos! O Diário é esse retrospecto da nossa inteligência. Por isso creio que, sendo como somos, ainda que fôssemos Robinsons escreveríamos Diários. (1:130-131)<br />..............................................................................................<br /><br />Ver: IDÉIAS (Registro de) (1:114-115)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-54568759052923560992007-03-28T06:07:00.000-07:002007-03-28T06:08:08.229-07:00DICIONÁRIO<span style="color:#3333ff;">DICIONÁRIO<br />..............................................................................................<br /><br />Ver: VOCÁBULOS 1 (1:239-241)<br /> LÍNGUA 8 (8:101-107)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-70949767872177529722007-03-28T06:06:00.000-07:002007-03-28T06:07:27.129-07:00DRAMA<span style="color:#3333ff;">O drama é tudo na arte, porque o drama é a biografia da Dor e a Dor é a mãe da Arte. Inda ontem, relendo Ésquilo, vi que sua grandeza repousa na grandeza das dores que pinta. Os Átridas, Prometeu, Orestes, Eletra, Atossa, Cassandra — dor, só dor, na desesperada luta contra a Fatalidade. A arte nasce da dor, como a pérola. Sabe que a pérola é o produto duma doença da ostra? Onde há doença há dor —- logo a pérola vem da dor. (1:174)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-8815318091435603623.post-74592538183376275462007-03-28T06:05:00.000-07:002007-03-28T06:06:52.028-07:00EDIÇÃO<span style="color:#3333ff;">1. Minha idéia é que quem se edita por conta própria faz uma coisa anti-natural — como entre as mulheres o parir pela barriga, na cesariana. Mas, seja lá como for, proponho estes pontos: 1) Não haver pressa; 2) Apurarmos a forma, de modo que os críticos exigentes não descubram nem uma lêndia de pronome mal colocado; 3) Ler um a produção do outro, comentar, criticar, sugerir, vetar; 4) As duas partes conformar-se-ão com as sentenças, mas ficam com o direito de rejeitar o veto; 5) A fatura material do livro será perfeita; prosa boa impressa em papel de embrulho vira carne seca da fedorenta; champanha em caneca de lata vira zurrapa. (1:242-243)<br />2. Anda o Nogueira com livro em Portugal! Há de ser o Venerando, história já minha conhecida. Nogueira tem preocupações cômicas — a qualidade do papel, o tamanho das margens, ilustrações, como se um livro valesse por outra coisa que não o miolo. Quem procura essas galantezas estranhas à literatura não mostra confiança no que escreve. É procurar muletas. Veja se um Machado, um Anatole, um Euclides, lá vão pensar nessas bobagenzinhas. (1:327)<br />3. Veja você como para o mundo tem peso um nome que assina artigos no jornal. A gente passa de servo da gleba à classe dos senhores. O "senhor" é o homem armado, que pode desta ou daquela maneira tornar-se ofensivo. A grande desgraça na vida é ser inofensivo, Rangel. Veja as minhocas. Por essas e outras, não concordo com o teu afastamento do jornal. Para quem pretende vir com livro, a exposição periódica do nomezinho equivale aos bons anúncios das casas de comércio — e em vez de pagarmos aos jornais pela publicação dos nossos anúncios, eles nos pagam — ou prometem pagar. (2:20-21)<br />4. A vantagem de dar a Vida em revista é poderes tê-la em forma impressa para o "passar a ferro" final. Em manuscrito a gente não vê totalmente um livro. (2:102)<br />5. É indispensável vires a público em livro, porque o livro é como o germe que faz a palma, a chuca que faz o mar. (2:180)<br />6. O meu segredo foi continuamente e sempre o mesmo editor. O Otales editou-me desde o começo até a vinda da "Brasiliense". Tens de fixar-te num editor aí, e ir ganhando-lhe a confiança. Assegurado o editor, nada mais tens que fazer senão ir botando ovos literários como uma boa galinha Leghorn; todos os anos, um ou dois ovinhos — e mantendo sempre reeditados os ovos anteriores.(...)<br />Para conseguir uma casa o pedreiro tem que assentar muitos tijolos; para criar uma renda de direitos autorais o escritor tem de escrever muitos livros e cuidar muito deles, e mantê-los sempre editados, etc. Com um livro, ou dois, ou três, um escritor não arranja a vida, como com um tijolo, ou dois ou três, o pedreiro não constrói uma casa. Mas com 30, 40, 50 livros um escritor cria uma torneira donde manará money durante toda a sua vida e a dos filhos. Eu, por exemplo, disponho de 30 torneiras na "Brasiliense" e 25 aqui - total 55, todas pingando água sem parar. Não basta fazer o livro; é preciso editá-lo; e depois, reeditá-lo sempre; só assim um autor cria um manancial perene. (4:210-212)<br />7. Escolha um bom editor e fique com nele toda a vida. Não ande pulando de um para outro como um saltamontes com formicida no rabo. Bom autor faz o bom editor - o editor amigo. Para fazer um bom editor várias coisas são precisas, e entre elas a mais absoluta correção nas contas. Nunca sacar dinheiro antecipadamente. Autor que faz isto, perde logo o editor, porque não há nenhum que tolere semelhante prática. (4:214)<br />8. Faze o que fiz. Vira-te editor, e então terás sempre editor em casa absolutamente conforme aos teus desejos e caprichos. Foi como fiz em 1917 e deu certo. E como faço ainda hoje. Entrei como sócio para a Editora Brasiliense e tirei meus livros do Octales; e agora vou na Argentina estudar o lançamento da Editora Continental, com muitos elementos dinheirosos daqui. Por quê? Para também lá ter editor como quero para os meus livros. Era o que eu te aconselharia, meu caro Flávio, a você um sol novo que anunciei mas ainda sempre impedido de soltar raios. (12:71)<br />..............................................................................................<br /><br />Ver: LÍNGUA 1 (1:248-249)</span>Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santoshttp://www.blogger.com/profile/14385579949530900898noreply@blogger.com0