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ARTE

1. Na penúltima carta dás como definição de arte do Taine a sua definição de obra d'arte, coisa muito diferente. Definição de arte foi coisa que o sensato e cautelosíssimo Taine teve o espírito de não tentar, para não dar a topada que todos os definidores vêm dando desde a Grécia. Todas as definições de arte que conheço degeneram em noção, e isto pelo absurdo de aplicar o processo definitório, coisa puramente científica e lógica, ao fato mais incientífico e ilógico da humanidade - a Arte. Com os sextantes mede-se a altura das estrelas, mas não se medirá nunca a altura do amor duma menina. Quanto à tua questão de "arte científica", não pesco um xis. Ciência — conjunto de conhecimentos sobre as leis dos fenômenos; arte — concretização de emoções. Misturar estas coisas é tentar a combinação química de ovos e batatas. (1:91-92)
2. Dizes que Inocência não te agradou porque não tem muita arte. Mas que é arte senão esse dom de criar simpatias, provocá-las, revelá-las, traduzi-las? Que valem as torturas artísticas dum Goncourt perto duma página de Manon Lescaut ou Paulo e Virgínia? Arte, esse torturado de borzeguim medieval ou o encanto, a simpatia humana de Manon? Bem sabes que Manon Lescaut é livro eterno - e Goncourt já passou. A arte deste só o é para um punhado de homens afins, num certo tempo — a arte de Manon é para toda gente, em todos os tempos.
A arte de Inocência me parece eterna porque é simpática, como a definiste — e que é simpatia? Uma correlação, uma corrente de indução entre A e B. Existe alguma arte que não produza esta corrente? E não deixa de ser artística a obra d'arte que a produz. Quem lê hoje uma obra antiga, se esta obra não traz incubada a força da simpatia que se traduz no prazer da leitura? (1:126)
3. Acho tua arte subjetiva em excesso — e a grande arte é objetiva (Shakespeare, Tolstoi, Zola, Balzac, Molière). Descreves um caso isolado, único, quando a arte está no contrário, na universalização; o particularismo cabe à ciência. (1:173)
4. A arte nasce quando o homem cessa de lutar contra o meio adverso. Nasce como florada conseqüente á completa evolução da planta. Na Grécia, a benignidade do clima e a amenidade da natureza não ofereciam resistência ao homem, e as forças que este, em caso contrário (caso da Índia, do Brasil, da Sibéria, por exemplo), despenderia em reações contra o meio agressivo, convergiram para enseivar o instinto estético, dando origem à maravilhosa eclosão das artes clássicas. (7:71)
5. A obra d'arte não tem valor intrínseco. Não há valor intrínseco. O valor de um poema reside em o número de espíritos por ele emocionados. As obras más caem por escassez de partidários. (7:72)
6. A arte nasce quando o homem domina o meio adverso; como um luxo, como floração da planta após a vitória desta sobre todos os óbices opostos à sua desenvoltura. Na Grécia, a amenidade ambiente, não opondo resistências ao homem, permitiu que, em vez de dispersar suas forças contra a natureza agressiva, ele as convergisse para a inflorescência.
Nós no Brasil ainda estamos a crescer, a enfolhar, a radicar. Por isso o que chamamos arte não passa de simples reflexos de artes alheias. Arte como a grega - em bloco, conglomerada, todas reunidas em torno dum mesmo tronco (um ideal racial) como vergônteas de igual pujança - tê-la-emos um dia, no ano 2.000 ou 2.500 quem o sabe? E tê-la-emos porque não há planta que não venha a flor. Se vem a rosas ou a flor de abóbora, já é outro caso. (7:99)
7. Sem a intervenção da arte é impossível transmitir aos pósteros a sensação exata do que se passou. Só a arte sabe perpetuar o que foi a vida. (8:71)
8. As belas artes, filhas, uma da rêverie, qual a música; outra, da sensação visual, como a pintura; outra, da álgebra das proporções, como a arquitetura; outra, da escolha e estilização da forma tátil, como a escultura; outra, da ideação vocabular, como as belas letras: todas se condicionavam a épocas e povos como peculiaridades. Na Grécia de Péricles, a escultura; na Itália de Leão X, a pintura; na Alemanha do século 18, a música; na França, o teatro; na Inglaterra, a novelística. (8:117)
9. Arte não é isso; arte não é reprodução fiel; arte é vida; só é artista aquele que reproduz a sensação da vida em toda a sua intensidade com tudo que ela tem de bom e mau, de coerente e de absurdo, de feio e de formoso, de estúpido e gracioso. A arte é uma objetivação do subjetivo, e como objetivar sentimentos quando estes não existem, quando estes não vibram dentro do artista? (11:129-130)
10. O valor duma obra d'arte cota-se pelo seu coeficiente de temperamento, cor e vida - os três valores que lhe travam a unidade, promanantes, um do homem, outro do meio, outro do momento. A arte descentrada dessa tripeça de categorias e que tem como fator-homem os "heimatlos" (homem de muitas pátrias, posto em evidência pela guerra); que tem como "terroir" o mundo e como época o Tempo, ser uma soberba alcachofra quando o volapuk senhorear o globo: por enquanto, não!
Donde uma conclusão lógica: o artista cresce à medida que se nacionaliza. É mister que a obra d'arte denuncie ao mais rápido volver d'olhos a sua origem, como as raças denunciam pelo tipo individual o grupo etnológico. (16:46)
11. Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem da latitude nem do clima.
As medidas da proporção e do equilíbrio na forma ou na cor decorrem do que chamamos sentir. Quando as coisas do mundo externo se transformam em impressões cerebrais, "sentimos". Para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em desarranjo por virtude de algum grave destempero.
Enquanto a percepção sensorial se fizer no homem normalmente, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá "sentir" senão um gato; e é falsa a "interpretação" que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. (16:60)
12. Ciência e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte é harmonia e Ciência é verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desarmônica e a harmonia falsa. (17:96)
13. As crianças vinham descendo a escada dos pedreiros e breve apareceram fora do templo.
— Corram aqui! — gritou-lhes Dona Benta. — Estão perdendo uma coisa única no mundo - a frisa do Partenon explicada pelo Senhor Péricles.
Os meninos aproximaram-se.
— Que tal acha estes cavalos, Pedrinho? — perguntou Dona Benta. — São da Tessália.
O menino examinou-os com ares de entendido.
— Bons, sim, vovó. São "manga-largas" legítimos - só que têm o focinho muito fino. Os cavalos que eu conheço não são assim.
— Nem os daqui — disse Péricles. — Os escultores não reproduzem a natureza tal qual é. Modificam-na num certo sentido, com uma certa intenção. Arte é isso.
— Mas então o belo não é natural "escarrado", vovó? — perguntou o menino.
— Não, meu filho. Se fosse, os melhores museus do mundo seriam as escarradeiras, e a maior das artes seria a fotográfica, porque a fotografia reproduz exatamente a natureza. A arte é uma estilização, isto é, uma falsificação da natureza num certo sentido, como acaba de dizer o Senhor Péricles. Você bem sabe que não é nas fotografias que encontramos o belo - é nos desenhos que modificam o real segundo o gosto do desenhista. (27:150-151)
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Ver: DRAMA (1:174)
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)