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DESCRIÇÃO

Se Águas e Arvoredos está um borrão, posso anotar nas costas, não é assim? Um defeito, meu, teu, nosso: damos espaço demais ao cenário, com prejuízo das figuras. Em Camilo quase não há cenário; as almas vão logo entrando em cena. Shakespeare pinta-o com uma palavra. Nós nos perdemos nas mignardises da paisagem, a copiar até as perninhas dos carrapatos - vício que vem do tempo em que o Naturalismo zolaiesco nos seduziu. Mas aquilo era exagero propositado. Eles estavam botando a língua para o Romantismo. Tu tens paisagens belíssimas, mas estragadas pela abundância dos detalhes. Queres escrever tudo, quando o certo é apenas sugerir - é dar um rápido relevo de estereoscópio com meia dúzia de pinceladas rápidas e manhosas. Pinceladas-carrapicho, nas quais se enganchem as reminiscências do leitor. Forçamo-lo assim a colaborar conosco — ele vê mil coisas que não dissemos, mas que com os nossos carrapichos soubemos acordar dentro dele.
O mais belo e sugestivo cenário que conheço é um de Shakespeare no Henrique IV, ato 30, suponho: "A street". Nessa rua eu pus toda a impressão sugerida pelo transcorrer dos dois primeiros atos. Vi uma velha rua da cidade inglesa, como naquele meu momento me parecia que devem ser as ruas trafegadas por Falstaff. Qualquer outra indicação prejudicaria a idéia pré-sugerida lá no meu imo, colidindo. Isto mostra como a extrema sobriedade, quando hábil, desentranha maravilhas da imaginação do leitor — e o tolo as vai atribuindo ao romancista esperto. Em suma, o caso é esperteza, como nas fábulas do jaboti. Fazer que o leitor puxe o carro sem o perceber. Sugerir. Arte é isso só. (2:13-14)