ADQUIRA ESTE DICIONÁRIO IMPRESSO

Você pode adquirir este dicionário impresso através do seguinte site:

http://www.clubedeautores.com.br/book/33715--DICIONARIO_DA_TEORIA_LITERARIA_E_ESTETICA_DE_MONTEIRO_LOBATO





ESCRITORES: MARIA JOSÉ DUPRÉ

MARIA JOSÉ DUPRÉ (SRA. LEANDRO DUPRÉ): Rangel: apareceu-nos uma senhora Dupré que está operando uma revolução literária. Está nos ensinando a escrever — e eu já muito aproveitei a lição. Revelou-me um tremendo segredo: o certo em literatura é escrever com o mínimo de literatura! Certo, porque desse modo somos lidos, como ela está sendo e como eu consegui ser nos livros que limpei de toda "literatura". Como nos envenenou aquela gente que andamos a ler na mocidade! Só agora me sinto completamente sarado, graças à medicação Dupré. Para que bem me entendas, terás que ler o ÉRAMOS SEIS, romance que a Editora acaba de publicar com um prefácio meu, que a autora não encomendou, pois nem sequer de vista a conheço. O caso me interessou tanto (li o livro em provas), que me lancei a esmiuçá-lo nesse prefácio.
Coisas que te disse antigamente confirmam-se agora, depois duma conversa tida com o Marques Campão, um pintor excelente e inteligente (coisa rara) e do livro da Dupré. Campão revelou-me o segredo da aquarela: não empastar as cores, não sobrepor tintas, pois só assim alcançamos o que nesse gênero há de mais belo: a transparência. No estilo literário dá-se a mesma coisa: o empastamento mata a transparência, tal qual nas aquarelas. Se eu digo "céu azul", estou certo, porque não sobrepus tintas e obtive transparência. Mas se venho com aqueles "lindos" empastamentos literários que nos ensinaram ("céu azul turquesa" — "a cerúlea abóbada celeste"), estou fazendo literatura; e sobre a coisa linda que é a palavra "azul" sobreponho um tom empastante "turquesa" que no espírito do leitor ira sugerir a esposa dum Abud qualquer, ou "cerúleo", que nos sugere cera , positivamente borro o azul do céu — em vez do céu lindo que eu quis descrever me sai uma "literatura". A Dupré mostrou-me que se pode escrever com zero de "literatura" e 100% de vida. É o que estudo no prefácio.
Parece incrível! Pois não é que com a tirada acima voltei atrás e estou naqueles tempos de Taubaté e Areias em que nos carteávamos semanalmente, a debater a eterna "procura" dos nossos "eus" literários?
Como nos procuramos, Rangel — e parece que nos achamos... Faltou-me naquele tempo uma Dupré mas a mim me salvaram as crianças. De tanto escrever para elas, simplifiquei-me, aproximei-me do certo (que é o claro, o transparente como o céu). Na revisão dos meus livros a saírem na Argentina estou operando curioso trabalho de raspagem — estou tirando tudo quanto é empaste.
O último submetido a tratamento foram as Fábulas. Como o achei pedante e requintado! Dele raspei quase um quilo de "literatura" e mesmo assim ficou alguma. O processo de raspagem não é o melhor, porque deixa sinais — ou "esquirolas", como eu diria se ainda tivesse coragem de escrever como antigamente.
Estou receitando a Dupré e a raspadeira a vários amigos de talento e ainda "salváveis", como o Cesídio Ambrogi de Taubaté, o qual está tonto como quem tomou uma dose muito forte de 914. Escreveu-me uma carta curiosíssima, que te mandarei. (2:338-340)