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ESCRITORES: RUY BARBOSA

RUY BARBOSA: Ruy Barbosa me dá a impressão, na ciência, duma superposição de autores; no estilo, duma superposição de clássicos. Vejo nele Vieira, Bernardes, Latino, Frei-Luiz, Herculano, Camilo — dele pessoalmente, só a sabedoria e fina arte do misturador. Ruy é uma grande Central telefônica a que vão ter todos os fios; e do conglomerado ressoa uma voz eólia, de qualquer lado que bata o vento. É uma focalização. Toda a ciência, toda a literatura de todos os tempos e povos converge seus raios naquele refletor mental que os emburrilha, funde e dá — como as cores fundidas dão a luz branca — esse clarão cegante, excessivo, que atrai todas as mariposas e afugenta todos os morcegos: RUY BARBOSA.
Ruy tem o gênio dos cadinhos: funde. Falta-lhe o gênio das retortas: que cria. Ruy dá "misturas" geniais; não dá "combinações" novas. Tenho para mim que Ruy é muito mais Força da Natureza do que Força Individual. É um estuário amplíssimo onde cada punhado d’água que tomamos mostra o nome do afluente contribuinte; ou cada folha ou flor carreada conta de que árvore caiu.
Acho Ruy imenso como o Amazonas, mas sem a imensidade dum Shakespeare, dum Nietzsche, dum qualquer Grande Emissor de idéias. Dele me disse ainda há pouco Martim Francisco, em Santos: "Ruy é um grande escritor sem talento: porque não cria." Nada mais falso. Impossível talento maior que o de Ruy. Chega até às raias da genialidade — mas fica-se na categoria do gênio sem medula criadora.
Eu já tive o meu período febril de ruismo, igual ao teu de hoje: foi em fins de Afonso Pena e Nilo e todo o Hermes. Aquele Ruy combativo, cruel como Jeov , feroz como Ezequiel, foi a culminância do "fenomeno Ruy". Mas ainda nessa fase funcionou como o refletor de todas as ânsias, queixas e desejos da nação. Fez-se Voz da Natureza, Boca do País. Naquele tempo, por política, estavas divorciado dele. Tentei conversar contigo sobre a Águia que depenava o Avestruz e tu fugiste com o corpo. Hoje dá-se o contrário. Eu é que estou divorciado de Ruy... por motivos bélicos. E não o leio. Como torço pela vitória da Alemanha e Ruy é o paladino da derrota alemã, resumo a minha opinião sobre ele com a imbecilidade dum calouro: "É uma besta!" Mas sei ou sinto que isso é pura imbecilidade minha diante de imbecís ainda maiores que eu. E se não o leio é na certeza de que se o ler, a "besta" me converte com a sua lógica de aço e cá me põe o germanismo de cuecas, de pernas para o ar. Porque o meu germanismo tem fundamentos grotescos: a causa número um é ser aliadófilo o meu barbeiro; a número 2 é serem aliados o Estado de S. Paulo, todos os meus amigos e toda gente. Germanizando, eu me isolo do barbeiro, do jornal e duma súcia de amigos. Pura questão de higiene mental. (2:155-157)