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PENSAR

1. O melhor método de bem pensar é o peripatético – passeando, andando. (5:12)
2. Refugado o positivismo, pus-me a estudar comigo mesmo e fazer a coisa mais difícil de todas: pensar. Todo mundo pensa que pensa, mas bem poucos sabem o que é pensar – e como é penoso pensar. (...)
O destino levou-me ocasionalmente, a ler uma frase de Nietzsche, numa brochura que um colega trazia debaixo do braço. Dessas frases-pólen que nos rebentam botões lá dentro. Fui dali a um livreiro em procura de obras desse Nietzsche. Não havia nenhuma. Encomendei todas. Algum tempo mais tarde recebi as obras de Nietzsche da tradução de Henry Albert – e mergulhei no filósofo alemão. Foi a maior bebedeira de minha vida. Aquele pensamento terrivelmente libertador intoxicou-me. Um dos seus aforismos penetrou em meu ser como a coisa que procurava. “VADE MECUM”, “VADE TECUM”. Queres seguir-me? Segue-te. Essas palavras foram tudo – foram o meu remédio certo. Marcaram o fim da minha crise mental. Normalizaram-me. Entregaram-me a mim mesmo. O que naquela ânsia através das filosofias eu procurava era eu mesmo – e só Nietzsche me contou que era assim. Em vez de seguir alguém, ia seguir a vaga intuição do meu eu...
A idéia de tornar-me um aparelho receptor, nu de qualquer preconceito, deixado sempre ao léu, ferrenhamente defendido contra tudo que fosse “Imposição”, pareceu-me – coisa certa – e a procurada. “SEGUE-TE”. Nunca uma palavra foi melhor compreendida, melhor apreendida, melhor sentida. Sua significação última era liberdade mental e moral.
Ocorre-me um incidente dessa época. Eu estava na Livraria Gazeau, fossando livros.
Achei um Nietzsche novo para mim. Abri-o, pus-me a ler ao acaso. Um padre aproximou-se. Espiou o livro pelo meu ombro e disse: “esse filósofo é dissolvente” - “Como o sabão”, foi a resposta que me veio instantânea, sem nem sequer erguer os olhos do livro.
Nietzsche foi de fato o meu sabão. Limpou-me de todas as gafeiras mentais e morais. Mas nunca o li totalmente, de medo de assimila-lo demais e tornar-me nietzschiano – o que contrariaria o seu “VADE TECUM”. Sempre que lhe tomava um livro, logo nas primeiras linhas um daqueles pensamentos – pólen me empolgava e germinava em mil pensamentos meus. A função desse filósofo em minha vida foi sempre devolver-me a mim mesmo.
E assim foi que me fiquei na vida sem sistematização nenhuma, livre como um passarinho, a esvoaçar para onde aprazia, levado apenas pelas minhas intuições, insubmisso a fórmulas e autoridades. Essa insubmissão estendeu-se à minha literatura. Tudo quanto produzi, contos ou sonhos infantis, não se subordinaram a norma nenhuma. Segui apenas a veneta. “QUERES SEGUIR-ME? SEGUE-TE”.
Não fiz na vida outra coisa senão, em tudo trilhar o conselho nietzschiano, indiferente a censuras ou aplausos ou a interesses. Claro que num terreno assim a ciência positiva crava as unhas. A ciência positiva “prova” e quando há provas, que lugar subsiste para a dúvida? Acostumei-me a aceitar as conclusões da ciência, dispensando-me de experiências pessoais diante da experiência coletiva e convergente dos sábios.
Na vida social sempre fui asperamente sincero. Jamais escrevi ou afirmei coisa de que não estivesse convencido. Dessa atitude proveio minha fama de “propagandista”. Consideravam-me grande propagandista pelo fato de lançar empresas e com meus manifestos e exposições atrair todo o capital necessário. A força dessas exposições feitas diretamente ao público, foi sempre a mesma: a minha absoluta convicção pessoal. Quando propus o negócio do petróleo com base nas indicações do aparelho Romero, vi-me fortemente censurado – mas nunca fui tão sincero. Se em mim subsistisse a menor sombra de dúvida quanto à eficácia desse aparelho, de nenhum modo eu o teria afirmado como afirmei.
Tive convites para cargos oficiais de grande importância. Sistematicamente recusei-os por não estar convencido das coisas que nesses cargos seria preciso afirmar.
Essa forma de espírito insubmisso, leal, libérrimo, irredutivelmente sincero, obrigou-me a viver isolado na comunhão social, sempre só comigo mesmo ainda dentro das maiores multidões. Via, sentia, reconhecia os males da sinceridade num mundo todo de cálculo e oportunismo – mas preferia esses males aos “bens” que dão a vitória. (9:222-225)
3. Nos livros de ciências já não há esse pegar coisas com os cascos imantados, e sim pegar tudo e assimilar, porque ciência não é opinião, nem temperamento, e sim o que é, na opinião dessa coisa que nada tem a ver com os homens e as opiniões dos homens, chamada LABORATÓRIO. E sobretudo biologia. Leia e assimile a biologia do Wells. Science of Life.
Em suma, é preciso que você passeie pelo pensamento crítico dos grandes homens, das grandes inteligências, não para acumular como um museu o que eles dizem, mas para ir assimilando umas essências afins e construtoras do teu ego mental.
Assim procedendo, você aperfeiçoa o seu modo pessoal, íntimo, único de pensar. Aprender a pensar! Quando esse violino fica no ponto de afinação requerida, é uma beleza, porque você tocará todas as músicas. É preciso que fiques tão afinado e sutil e firme que possas diante de qualquer coisa apanhada nos aspectos eternos...Mais isto não cabe em carta. Temos de adivinhar como é. Temos de criar o nosso caminho. Tudo muito difícil – ou fácil, se nascemos assim ou assado. Ah, como tudo é complicado e difícil de transmitir...
Resumirei dizendo: crie o instrumento de expressão; estilo; e aprenda a pensar por si. O resto vem por si. (12:70)
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Ver: POESIA 2: (5:119)