Monteiro
Lobato, conhecido como contista excepcional e o mais importante autor de livros
infanto-juvenis do Brasil, foi, acima de tudo, um grande pensador. Pensou a
literatura, a arte em geral, a indústria gráfica brasileira, o petróleo
nacional e tudo o mais que se relacionava ao cotidiano de um cidadão em sintonia
com seu tempo e com os olhos voltados para o futuro e a mente enriquecida pela
cultura milenar do homem ocidental.
A vida de
Monteiro Lobato sempre exerceu sobre mim um imenso fascínio e admiração, a
ponto de, em uma época de minha vida de adolescente, conhecer tanto de sua vida
que minha família chegou a pensar em inscrever-me em um programa de televisão
em que se concorria a um grande prêmio a pessoa que dominasse profundo
conhecimento sobre algum assunto.
Meu primeiro
contato com Lobato foi através do ‘Jeca Tatuzinho”, na época distribuído
gratuitamente nas escolas pelo “Biotônico Fontoura, cuja história me foi lida
na cama, antes de dormir, pela minha mãe, quando eu ainda estava sendo alfabetizado
no primeiro ano do Curso Primário, em 1966. No ano seguinte, passei a conhecer
as aventuras de Narizinho, Pedrinho, Emília e os outros personagens de Lobato
através do “Sítio do Picapau Amarelo”, na segunda versão para a televisão produzida
por Julio Gouveia (1914-1988) e Tatiana Belinky (1919-2013).
Já
alfabetizado, o primeiro livro que li foi uma versão do “Robinson Crusoé” feita
por Lobato. Em um domingo ou feriado, acordei antes de todos em casa e fui à
pequena biblioteca que minha mãe havia montado em casa na última reforma da
casa que ela planejara. Pequei o livro e comecei a ler. Passei o dia todo com
ele à minha frente, devorando as aventuras do náufrago. Almocei e lanchei
lendo, não assisti aos programas de televisão e, à noite, antes de dormir, eu
havia acabado de ler todo o livro.
As histórias
escritas do Sítio eu só li no Carnaval de 1974, já adolescente. Cheguei a ler
mais de um livro por dia, simplesmente encantado com a narrativa, divertindo-me
muito com as aventuras dos personagens do Sítio. Anos mais tarde, já adulto,
cursando Letras na USP, voltei a ler a obra completa de Lobato e me diverti
ainda mais, descobrindo que as chamadas obras infantis do criador de Emília
divertiam igualmente os adultos, com suas críticas políticas e sociais, que a
criança não capta.
Na faculdade
de Letras, fui-me envolvendo com a Literatura Infantil e Juvenil, passando a
estudar a teoria literária presente nela, desejando, por fim, dedicar-me a esse
estudo mais profundamente, através da pós-graduação.
Eu havia
percebido que existiam muitas obras no Brasil dedicadas a essa área, mas que
não apresentavam qualquer novidade. Ao contrário, algumas pareciam ter bebido
na mesma fonte, citando a mesma passagem de uma carta de Lobato em que ele fala
da literatura infantil, antes mesmo de dedicar-se a ela. Refiro-me a um trecho
de uma carta de Lobato a Godofredo Rangel, presente no segundo volume de “A
Barca de Gleyre”, no qual, entre outras coisas ele afirma: “Ainda acabo fazendo
livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar,
como morei no Robinson e n’Os Filhos do Capitão Grant.“ Como eu já
estava conhecendo razoavelmente bem toda a obra de Monteiro Lobato, achei um
absurdo a repetição da mesma citação, acreditando mesmo que os autores não
haviam, de fato, lido os livros dele.
Havia uma riqueza tão grande de comentários sobre literatura e arte em geral,
que se tornava inconcebível ater-se a apenas um comentário, embora importante, sem
conhecer e reconhecer essa riqueza.
Foi neste
momento que tive a idéia de organizar um dicionário com a “teoria” literária e
estética de Monteiro Lobato, com outras ligações por afinidade aos temas.
Percebi não se tratar de uma “teoria” sistematizada, mas refletida ao longo de
toda a vida e obra do pai do Jeca. Fui recolhendo citações cabíveis em meu
projeto em cartas, contos, livros classificados como infantis e em toda a sua
obra adulta. Uma “teoria” escrita tão naturalmente que diverte quem a lê, sem
deixar de compreender sua seriedade.
O primeiro problema não foi o acesso a toda a
obra de Lobato, pois, além das obras completas, eu também possuía antigas
revistas e livros em que apareciam textos desse autor, inclusive em versões
anteriores à final, que passaram a incorporar as “Obras Completas”, organizadas
por Lobato. O maior problema era organizar o dicionário, numa época em que o
computador pessoal não era uma realidade. Eu datilografava folhas que iam sendo
encaixadas em ordem alfabética. Era muito trabalhoso e cansativo. Desanimador,
mesmo. No meu tempo de folga – nessa época, início dos anos 1990, eu trabalhava
muito, pois tinha um restaurante e uma doceria que me tomavam muito tempo – eu
ia organizando o dicionário. Somente em 1993 comprei o meu primeiro computador
pessoas, na época o melhor que havia, mas que na verdade era uma espécie de
máquina de escrever elétrica, com a vantagem de gravar em sua memória tudo o
que eu havia pesquisado e ia digitando, podendo corrigir e intercalar textos
conforme os ia lendo. Reli tudo o que Monteiro Lobato havia escrito e que
estava em minhas mãos, num total de 28 volumes. Em julho de 1994, antes de
realizar uma viagem ao Pantanal Matogrossense (o destino, na verdade, era
Macchu Picchu), terminei de organizar o Dicionário, idealizado a três ou quatro
anos antes.
Houve ainda um
outro problema. Este Dicionário também foi idealizado como trabalho de Mestrado
em Literatura. Fui
aprovado na FFLCH da USP, iniciando meu curso em 1991, logo após concluir a
graduação na mesma Universidade. No entanto, a estrutura da Academia não
permitia que eu desenvolvesse esse trabalho, o que me desanimou. Com a morte
repentina de meu sócio no restaurante no final de 1992, assumindo devido a isso
mais responsabilidades, abandonei o curso de pós-graduação, pois não estava
atendendo aos meus objetivos.
A partir de
meados de 1993, vendi a minha parte no restaurante e resolvi me dedicar
exclusivamente à Literatura, mantendo-me com o que consegui guardar da venda do
negócio. Embora com mais de trinta anos, ainda estava muito imaturo para ser um
escritor (ainda hoje, com mais de cinqüenta, tenho as minhas dúvidas se um dia
estarei realmente pronto) e consegui produzir muito pouco. Mas o Dicionário foi
fruto desse período.
Se fosse um
trabalho para o Mestrado, teria de haver uma análise muito bem realizada e
refletida sobre o tema, mas dispensei essa análise, uma vez que o texto de
Lobato fala por si, sem necessitar de intérprete ou análise. Por essa razão,
sinto-me não um organizador, mas um simples curador deste Dicionário. Um
dicionário que é, antes de tudo, uma leitura agradável e divertida, em que a
personalidade de Monteiro Lobato se revela plena em inteligência, ironia, humor
e sabedoria.
Concluindo, este
dicionário procura centrar-se no pensamento de Monteiro Lobato sobre a
literatura, a arte e temas afins. Com certeza, nunca será uma leitura
enfadonha, pois é impossível enfadar-se com Monteiro Lobato; será, sim, uma
leitura agradável e divertida, em que a personalidade do criador do Jeca Tatu,
da Emília e de tantas outras personagens que entraram para o imaginário
nacional se revelará de forma plena.
Por ser fruto
de alguns anos de trabalho (não deixa de ser um “filho” meu), não poderia este
Dicionário ficar encerrado em uma gaveta (ou como um arquivo em meu computador).
Dá-lo a público é, acima de tudo (assim o espero), um incentivo à leitura ou
releitura da obra adulta e infanto-juvenil de uma das mais importantes
personalidades da cultura brasileira
Leitura
obrigatória para todo amante da arte, da literatura e da cultura nacional e
universal, que certamente levará à leitura ou à releitura da obra deste genial
autor brasileiro.