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CRÍTICA

1. E estou transformado na "última palavra" da crítica local, depois duns artigos sobre os trabalhos da minha namorada número 2 - a de função estética. O povo olha-me com uma espécie de terror sagrado, tantas foram as coisas bonitas que, em estilo de atelier de Paris, eu disse na análise dos quadros de Georgina - chama-se Georgina. O meio de sermos admirados pelo povo é não sermos entendidos. Outros artistas da terra, geniozinhos municipais, procuram-me; querem também que eu diga deles coisas incompreensíveis. E o diretor do jornal fez-me a honra de declarar que sou a "única autoridade crítica da terra". Quer dizer que também não me entende.
Ontem houve concerto no teatro e uma comissão veio implorar que do alto da minha Competência eu derramasse a potassa da Crítica sobre as gorduras do Desempenho. Desfiz-me em frases feitas desmerecedoras do meu Mérito e por fim prometi. E acabo de encher cinco tiras com quanto argot musical assimilei em S. Paulo nas críticas do Camarate e do Barjona. Falei em vocalização, registro de voz, euritmia, tonalidades cromáticas e outras pilhérias do caso. Saiu-me coisa tão boa que, relendo-a, eu mesmo não entendi nada. Imagine o sucesso que vai ser! (1:90-91)
2. Na "questão da simpatia" você me respondeu com argumentos ad hominem, o que em crítica não soa bem. Crítica tem que ser ciência, coisa alta, investigação dos fatos literários apenas. Fora disso a Crítica não passa de Impressionismo - ramo da literatura comum. Diz você: "Prefiro Goncourt a Manon". Mas isso não prova a superioridade de Goncourt sobre Manon. Do mesmo modo que se você preferir Silvestre Ferraz a Londres, isso não prova que Londres não seja a capital do Império Britânico. Voltaire preferia Scarron a Shakespeare, o que não impediu que a Posteridade preferisse Shakespeare a Scarron. Quem quer fazer-se crítico deve pôr-se de lado, afastar o subjetivo; e se não for assim, faz literatura em vez de crítica. (1:133)
3. Não concordo com a tua idéia de que todo crítico é um raté da literatura, porque a crítica é um ramo da literatura para o qual certos sujeitos nascem com aptidões especiais. Olhe Taine, Sainte Beuve, Macaulay. Mas não deixa de ser certo que muitos críticos de segunda são literatos fracassados em outros gêneros. Sentem o prazer satânico de se suporem numa sacada, e lá de cima cuspirem nos que passam pela rua. Prazer de juiz sentenciador - mas juiz que se nomeia a si próprio, não é nomeado pelo governo. Vingança, picuínha contra a Fatalidade. "Falhei no meu poema? Pois esperem que vou desancar todos os poemas alheios". O Albalat me parece dos tais. Aquilo de só admitir Homero, e ir filiando um estilo a outro até chegar ao de Homero, aquilo me parece ódio aos seus contemporâneos donos de estilo. (1:278-279)
4. Mas isto de opinião é como nariz, cada qual tem a sua e essa é a boa, como o bom e certo é o nosso nariz. Tu és maior em letras, e eu me saio um tolo com estas pedagogias. Lá tens tua arte; cá tenho a minha. Criticar é sempre dizer: "Eu faria assim". Ao que pode o Autor objetar como o Maneco Lopes: "E que tenho eu com isso?" Por essa razão não me meto a criticar as Águas. Dou apenas a impressão geral que pediste. (2:16)
5. Obrigado pelo oferecimento, mas prefiro que digam de meus livros os estranhos. Aos amigos quero-os calados: já lhes conheço a opinião e também conheço o grau de amizade de cada um. A amizade nunca foi boa crítica. E, entretanto, recorreria a ela se o livro empacasse. Quem quer um filho empacado? Mas não empacou. Fui feliz. Não pedi juízo crítico a ninguém e estou tendo mais e melhor do que realmente mereço. Ainda ontem falou a Gazeta de Notícias em artigo especial, e na véspera havia falado O País. Mando os recortes. De você eu queria uma crítica à nossa moda, confidencial, em carta - sobretudo apontando os defeitos. Um defeito apontado é muitas vezes um defeito corrigido. Já uma qualidade elogiada é quase sempre um vício futuro: o autor passa a apurá-la em demasia e cai no excesso, como o econômico cai na avareza ou o liberal na prodigalidade. (2:179)
6. Estás fazendo a crítica como a quero, à moda do Will Durant, na História da Filosofia. A crítica há de ser assim. A obra dos homens vista à luz da vida dos homens. O sucesso imenso de Durant vem de que pintou conjuntamente a vida dos filósofos e suas filosofias. Interpenetram-se tanto, a vida e as idéias da gente, que não há desligar as duas coisas. (12:49)
7. Tu és um monstro de orgulho, Flávio. Pois queres atacar ao Mário só porque ele exerceu o seu natural direito de crítica? Ele não te insultou, não te ofendeu. Como então revidar? Revidar o quê? Se tiras ao crítico a liberdade de criticar, matas a crítica, Flávio. Faço votos para que a Censura impeça a saída do teu artigo no Casmurro. Fica feio para você danar com um cabra criticamente só porque ele não gostou do teu livro da maneira pela qual querias que ele gostasse. (12:75)