ADQUIRA ESTE DICIONÁRIO IMPRESSO

Você pode adquirir este dicionário impresso através do seguinte site:

http://www.clubedeautores.com.br/book/33715--DICIONARIO_DA_TEORIA_LITERARIA_E_ESTETICA_DE_MONTEIRO_LOBATO





LER

1. Tenho lido muito em inglês – viagens. Há cá uma porção de números de Wide World Magazine e do Stand. Enjoei-me do francês. Quanto ao Bourget, minha opinião é que vendas os 18 volumes a algum fogueteiro. Não há ar nessa literatura francesa. E lembra-te, menino, que a arte é longa e a vida breve. Como perder tempo com bobagens? Ler é coisa penosa; temos de mastigar, ensalivar e engulir – e que grande tolice comer palha! Alimentemo-nos dos Sumos – os Balzacs, os Shakespeare, os Nietzsches, os Bains, os Kiplings, os Stuart-Mills. Theuriets, Onhets, isso é palha. Bourget tem Mensonges. Fique aí. Dezoito volumes de Bourget! Como te foi cair nas unhas tamanha papelada?
Quanto aos épicos antigos, Dante, Milton, Homero, Só com bons intérpretes, com Virgílios cicerônicos. O próprio Lusíadas nunca li inteiro. Cansa-me. Já investi contra o bloco cinco vezes. Começo achando-o belíssimo, e vai belíssimo até dez ou doze estrofes; daí por diante entram a amiudar-se os bocejos e a admiração vai morrendo. Na estrofe 16ª volto as páginas para ver se o fim do canto ainda está muito longe. Na 20ª acho meios de interromper a ingestão da obra-prima e encosta-la por seis meses ou um ano. Mas é admirável o Camões, não resta a menor dúvida. Nós é que somos uns fracalhões, uns dispépticos, uns degenerados netos de truculentíssimos avós. Um dos nossos antepassados, Cunhambebe, comia um português inteiro sem arrotar. Nós mal escoramos uma asinha de frango... (1:119-120)
2. Conheces Balzac? Se não leste o Lys posso afirmar que não, porque é ali que Balzac assume as proporções desmarcadas dum Shakespeare do romance. A princípio me soou entendiante e falsa a sua maneira de tratar o assunto; mas, breve, reconsiderando e mudando o sistema de ler – lendo-o como o fanático lê uma encíclica e não como nós lemos um romance, a voar de idéia em idéia dentro do carro do estilo – lendo e pensando, lendo devagar, lendo palavra por palavra, frase por frase, cheguei a ponto de lê-lo dum modo novo: ler admirando, ler em êxtase, ler com espanto, ler bebendo as frases com o terror sagrado da beata que ingere a hóstia. Porque Balzac – só agora o percebi – é o Grande Gênio da literatura moderna. Compreendes? Balzac é o gênio da alma moderna, como Shakespeare foi o gênio da alma antiga. Penetrar, como Balzac o fez, no fundo do pensamento moderno, e pôr a nu todas as almas, quem mais que Balzac o fez? Meu entusiasmo é tanto que só tenho um conselho a dar-te: Lê o Lírio no Vale e depois varre da tua cabeça o alfabeto, para que nunca mais nenhum livro venha profanar essa leitura suprema e última.Lê o Lírio, Rangel, e morre. Lê o Lírio e suicida-te, Rangel. Se não o tens aí, posso mandar-te o meu exemplar – e junto o revólver. (1:215-216)
3. Li Bem Casados duma assentada – e que quer você mais? Só as novelas muito empolgantes suportam essa prova. (1:248)
4. A nossa grande gente nacional escreve dum modo tão requintado, tão sublimado, tão empoleirado, que ler a maioria das coisas existentes se torna um perfeito traduzir – e isso cansa. Olhe – aqui está a reprodução dum artigo de Coelho Neto sobre José do Patrocínio. Eu derrubo este seu lápis vermelho em cima e juro que a ponta marca uma frase que tem de ser “lida traduzidamente”.
E fiz a prova. Pinguei o lápis em cima do artigo. A ponta marcou isto: “pela estrada desciam récuas em chouto, sacolejando ceirões e cofos”.
- Bem. O artigo trata da última visita que Coelho Neto fez a Patrocínio, já quase moribundo lá numa casinha de Piedade, subúrbio do Rio de Janeiro. Ora, quem conhece este país, e o Rio, e os subúrbios do Rio, sabe que por cá não existem “récuas”, nem “choutos”, nem “ceirões”, nem “cofos”. Tudo isso são velhas tintas lusitanas que Neto usava para pintar paisagens daqui. O leitor, portanto, terá que verter tais tintas para as equivalentes nacionais – mas só o fará se for culto e bem dotado de paciência. Em caso contrário, repele o autor, dizendo “Outro ofício!”. Mas, traduzindo em língua comum a tremenda complicação acima, o que obtemos é muito simples: “Pela estrada desciam burros de carga no trote, sacudindo jacás”. Como você está vendo, o trabalho é duplo; é um trabalho de leitura simultaneamente articulado com tradução mental. Conseqüência: quando um leitor incauto pega num desses livros, antes de chegar à terceira página já está batendo a testa e dizendo: “Oh, diabo! Não é que me esqueci do...” Não diz do que nem é preciso. Guarda o romance para mais tarde – para o sobrecarregadíssimo dia de São Nunca. (5:44-45)
5.Tanto o jornal como o livro funcionam como veículos de imagens cerebrais – mas veículos ronceiros, que exigem um elevado índice de cultura no leitor; que exigem tempo, elemento cada vez mais escasso na atropelada vida moderna; e dinheiro – e, cada vez mais, porque o livro encarece vertiginosamente; e ainda certas disposições de espírito não realizadas com freqüência.
Já o cinema, veículo de imagens de muito maior envergadura, pede menos tempo, menos dinheiro, menos cultura e menos disposições mentais especialíssimas. Está, pois, predestinado a bater o livro em uma boa parte dos seus domínios e, quem sabe? A bater a própria imprensa. (...)
A novela popular pelo sistema antigo, quer em folhetins de jornais, quer em brochuras baratas, está quase morta entre nós, onde, aliás, nunca teve grande desenvolvimento graças ao nosso fantástico analfabetismo. A proporção nas capitais e no interior do país entre a novela vista e lida será, talvez, de uma para mil. E a inclinação da balança favorável à novela vista cresce constantemente. (8:18-19)
6. Quanto aos livros a recomendar....Que coisa difícil! Para cada temperamento, para cada personalidade que somos, tais livros. Eu já disse, não sei onde, que temos de ser imãs; e passar de galopada pelos livros, com cascos de ferro imantado, para irmos atraindo o que nas leituras nos aproveite, por força de misteriosa afinidade com o mistério interior que somos. Ler não para amontoar coisas, mas para atrair coisas. Não coisas escolhidas conscientemente, mas coisas afins, que nos aumentem sem o percebermos etc. isto é comprido. Só conversando. (12:69)
7. – Sim – continuou Pedrinho – mas nós sabemos ler e vocês não sabem.
- Ler! E para que serve ler? Se o homem é a mais boba de tosas as criaturas, de que adianta ler? Que é ler? Ler é um jeito de saber o que os outros pensaram. Mas que adianta a um bobo saber o que o outro bobo pensou? (20:184)
8. – Ah, a minha história! – exclamou Belerofonte. – Corre mundo contada por numerosos poetas, entre eles o velho Hesíodo e o grande Homero.
- Este eu sei quem é – disse Pedrinho. – Um cego que andava pelas ruas contando histórias.
- Sim, o maior poeta da Antiguidade. Até hoje seus poemas são lidos, admirados e estudados pelos homens.
- A Ilíada e a Odisséia! Vovó já nos falou neles.
- Mas não basta conhecê-los de nome – observou o herói; - é preciso lê-los.
- Vovó diz que ainda é cedo – que há uma leitura para cada idade.
- E tem razão. Realmente ainda é cedo para vocês compreenderem Homero – disse o grego. (26:200)
..............................................................................................

Ver: FORMA 1 ( 1:222-223 )
ROMANCE NO BRASIL (5:47-51)