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LIVRO NO BRASIL

1. Dr. Washington Luis // Perdoe-nos V. Exa. se erramos, dirigindo-nos ao futuro em vez de dirigirmos ao presente. Mas o presente paira em tal nuvem que já perdeu o contato com as realidades terrenas – e é de realidades que se trata. Trata-se duma triste realidade que até hoje não mereceu o menor olhar de simpatia dos nossos homens de governo – o livro.
V. Exa. sabe que o Brasil vive atolado até às orelhas na ignorância, como sabe que só um instrumento existe capaz de contrabater a ignorância – o livro. Mas o livro no Brasil é vítima de verdadeira perseguição, dando até a entender que o Estado é contrário à sua expansão e o considera perigoso. Hoje o livro só é acessível às classes ricas, e no andar em que vai, nem a elas, acabando por figurar nas vitrinas das casas de jóias, como objeto de luxo.
Mas não há cultura possível sem livro e livro barato, livro que penetre nas massas populares e lhes erga o nível mental. Que nos vale ter picos como Rui Barbosa, se a planície apresenta um dos mais baixos níveis culturais do mundo?
O livro barato, acessível ao povo, tem sido a nossa obsessão de editores falidos e ressurgidos, e é isso que nos traz perante V. Exa . neste momento em que se trama contra ele um novo golpe de misericórdia.
Podemos sem receio de contestação afirmar que o Brasil é a terra por excelência do livro caro. Por quê? Primeiro, porque o imposto que grava o papel e mais matéria-prima que entra na sua composição é um imposto feroz, e além de feroz, criminoso, porque recai sobre o desdobramento do custo da cartilha de maior voga entre nós; por esse cálculo se vê como a quota do papel onera uma cartilha. É monstruoso e, se V. Exa . quiser controlar a veracidade destes algarismos, os Srs. Paulo de Azevedo & Cia., da Livraria Alves, detentora quase, do monopólio do livro escolar no Brasil, não terão dúvidas em abrir a sua escrita.
O papel paga de direitos de entrada o dobro do custo.
Mas não fica ai a guerra fiscal contra a cultura. Há mais. Há um regime de protecionismo às avessas que sufoca a nossa indústria editora. As taxas são estabelecidas de modo a proteger a indústria editora de fora, paga metade do imposto que recai sobre o papel, e não paga absolutamente nada se vem feito de Portugal!...
Ora, livro é papel impresso. Se o papel vem em branco para ser transformado em livro aqui, paga o dobro do custo; se esse mesmo papel entra já transformado em livro, paga metade, ou zero se procede de Portugal!
É, ou não é um protecionismo às avessas? É. Ou não repetir o gesto de D. Maria, quando mandou destruir os prelos do Brasil-colônia? Tanto faz destruir máquinas como impedi-las de livremente concorrer com suas rivais estrangeiras.
E é tão frisante a intenção de perseguir o livro, que tanto os jornais como as revistas gozam de regime especial. Para eles o papel entra isento de direitos. A “Maça”, o “Rio Nu”, o “Jornal do Bicho”, e quanto sórdido pasquim existe por este país tem o papel pelo preço de custo. O livro, a cartilha das crianças, o manual técnico do operário, tem-no pelo triplo!
Se o Estado reconheceu tacitamente que a imprensa e as revistas não podem viver sob o regime do papel ferozmente taxado, por que milagre de sofisma não admite que o mesmo se dê com o livro?
Até aqui o nosso pobre livro tem vivido à sombra dos privilégios concedidos à imprensa e às revistas. Como a isenção dava margem a um extenso contrabando, a perseguida indústria editora aproveitava-se disso e adquiria na praça o papel de que necessitava a preços muito inferiores aos da importação direta. Esse benemérito contrabando quebrava, pois, o rigor da taxação e foi graças a ele que este pobre país pôde ler alguma coisa e crianças das escolas puderam ter cartilhas ao alcance das suas posses. Mas a abençoada instituição está no fim; o novo regime fiscal impede o contrabando e seus reflexos na cultura e na instrução já se visibilizam. O livro sobe; sobem os preços dos livros escolares. A saída diminui. O Brasil convence-se de que há uma conspiração para que ele não aprenda a ler...
Acresce ainda uma circunstância. As fábricas nascidas à sombra da feroz tributação do papel acabam de coligar-se para comprar o Congresso (é o termo que usam) a permanência do status quo, se não o agravamento das taxas. Seus diretores são ricos e poderosos, sabem falar a linguagem que os políticos negocistas entendem, e vencerão. Vencerão caso V. Exa. não abra os olhos e se ponha ao lado dos interesses da nossa cultura contra os interesses desse grupo. A fé que temos em V. Exa. nos faz crer que isso se dará e que V. Exa. formará ao lado do pobre grupo que não tem meios de fazer valer suas razões, nem tornar ouvida a sua voz: o país.
Se o grupo papelífero vencer (e a Cia. Melhoramentos de São Paulo já deu um grande tiro de “grosse Bertha” com o seu relatório sobre a marca d’água, sinal de abertura de operações), farão os interessados um excelentíssimo negócio, suas fábricas darão altos dividendos, vinte novos-ricos sairão da celulose sueca – mas a ignorância nacional crescerá porque o preço do livro aumentará.
Esse relatório, cheio de retratos lisonjeativos, é um primor de mistificação, e dá boa medida do maquiavelismo das indústrias que só vingam à sombra de clamorosas taxas protetoras.
Nada temos a ver com os negócios alheios. Mas como o nosso ponto de vista é o da cultura do povo brasileiro e a vítima da “grosse Bertha” vai ser essa cultura, lembramo-nos de dirigir a V. Exa. estas palavras arrastadas pela frase com que Henry Ford termina o seu maravilhoso livro: Everything is possible...”faith is the substance of things hoped for, the evidence of things not seen”.
Temos fé em V. Exa., e certeza de que, caso volte a atenção para este problema, será ele resolvido a favor da cultura nacional e não a favor de um grupo de honrados ganhadores de dinheiro. (3:193-197)
2. Parece incrível, mas a vida literária do Brasil, de 15 a 25, girou em redor de mim e da minha editora. Pelas cartas verás isso. Não havia quem não me procurasse, e eu ia lançando nomes e mais nomes novos, depois de haver aberto o país à entrada de livros. Aquela história de pular das trinta e tantas livrarias que tínhamos pelo país inteiro, únicos pontos onde se vendiam livros, para os 1200 e tantos consignatários de Monteiro Lobato & Cia., foi uma das etapas da emancipação cultural do Brasil. Na correspondência hás de encontrar muito reflexo disso. (4:189)
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Ver: LITERATURA INFANTIL-JUVENIL 8 ( 9:249-256 )