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ROMANCE

1. No teu caso eu me dedicaria exclusivamente ao conto e me ia aperfeiçoando sempre; e muito naturalmente viria mais tarde o romance, sem forçar o temperamento – como veio ao Maupassant e ao Eça. O romance é um conto de 300 páginas e mais engalhado – e só ergue 100 quilos quem durante anos se treinou em suspender halteres de 10. Que pressa a tua em saltar para o romance? Dizes que desanimaste no nº 4. Põe-no de parte, homem, e apega-te ao 10 quilos. E lança ao público um livro de contos o ano que vem. O maior estímulo para fazer um segundo filho é já ter bem lépido o primogênito. (1:188-189)
2. Num romance, quando as radículas da nervura central são constituídas por tipos discretamente pintados, de modo a não projetar sombras na coisa principal, o efeito é maravilhoso. Em Jack, por exemplo. Como aviva a pintura do caráter de D’Argenton aqueles ratés secundários que o rodeiam! Em Machado de Assis lembro-me do Dias, o homem dos superlativos, tão discreto. Às vezes o que salva um romance é isso – esse fundo. (1:265)
3. Li a última parte dos Soldados do Livro. Não resta a menor dúvida: estás romancista. Possues todas as qualidades necessárias: 1) capacidade de trabalho, coragem de começar na 1a. e ir até à página 350; 2) instinto da composição, da arquitetura, da montagem, do enredo; 3) habilidade de manter até o fim o caráter dos personagens; 4) estilo e correção de língua. Resta agora a lapidação de todas essas qualidades que é um trabalho do tempo.
Noto no romance umas tantas excrescências, que o aumentam de tamanho e diminuem de harmonia – uns tantos excessos que cumpre podar. Uma cara só é bonita quando nada tem de mais ou de menos. Suprima, por exemplo, ou atenue, a catequese dos botocudos pelo Marolo. Materialismo não havia tempo, entre sua saída do ginásio e o dia dos exames, do homem catequisar índios e padecer martírios. Faça a conta. Não dava tempo nem dele chegar a Cuiabá. Além disso, muito mais conseqüente com o caráter de Marolo será sair do ginásio e agregar-se parasitariamente ao bispado, em cargo que um leigo possa desempenhar.
O capítulo 16 pede refusão. Está prolixo, cheio de coisas que não dizem com o tom geral. Desafina. Noto que nos diálogos você se vulgariza um pouco. O diálogo no romance é o enxerto das coisas vivas, frisantes, engraçadas ou áticas, que por associação vão ocorrendo ao escritor. A cena dos conspiradores em casa do Dadico pede reparo. Da rua, portas e janelas fechadas, como podiam eles ver e ouvir tudo quanto se passava lá dentro? Muito melhor deixar entrever a situação do que narra-la às cruas. E assim outras coisas.
Em muitos pontos é preferível entremostrar a mostrar, diluir os contornos duros, substituir luz por meia-luz ou penumbra. Há ganho de sugestão. (1:301-302)
4. Venho por-me em dia. Não há dúvida, os teus Pioneiros ganharão com algum desbaste a foice, sabiamente feito nalguns trechos que me parecem muito copados. É o que estou fazendo aqui numa chácara que foi de meu avô: desbastando, derrubando tudo quanto é árvore inútil. Só ficam as árvores que dão renda. Pés de camburá que produzem mal e frutas enferrujadas – machado neles! Mangueiras maninhas – machado nelas! No romance também é assim. Tudo que for inútil ao progressivo efeito central pede foice e machado. Podar, podar! Eis o grande segredo. Desbastar. O que fica eleva-se, ganha realce. (1:303-304)
5. No romance o que estabelece o valor é a criação dos tipos e a sua focalização dentro dum meio típico. (10:32)
6. Atire-se ao romance para o Cruzeiro. O meio de fazer um bom romance é empenhar-se dum bom tema, duma boa idéia central, e escreve-lo impetuosamente, como um vôo de avião que vai sem paradas do ponto de partida ao de chegada – e depois de completado o jato, aperfeiçoá-lo amorosamente. Eu preferia que o teu Arte Moderna fosse um romance que agora fosses reduzir a conto. Esse processo resulta, como dizem os ingleses. Já o processo contrário – diluir um conto em romance – é bastante perigoso, porque há perda da intensidade. Você sacrificará o “tamanho natural” da história ao tamanho imposto pela revista. Ora, isso de tamanho, a natureza prescreve um certo para cada espécie de coisa viva. Uma árvore, um animal, um conto, um romance, um poema, tem um tamanho certo, prescrito pela lei da espécie e in-aumentável ou in-diminuível. Se você faz um homem muito grande ou muito pequeno, deixa de ser um homem, passa a ser um monstro, passa a ser um gigante ou um anão – coisas diferentes dum homem. Mas faça, sem pensar no prêmio. Faça o melhor que puder, que estará certo, com ou sem prêmio. (18-47)
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Ver: CONTO 4 (1:280-281)
CRIAÇÃO 4 (2:137-138)
ROMANCISTAS 1 (7:228)