APRESENTAÇÃO
Monteiro
Lobato, conhecido como contista excepcional e o mais importante autor de livros
infanto-juvenis do Brasil, foi, acima de tudo, um grande pensador. Pensou a
literatura, a arte em geral, a indústria gráfica brasileira, o petróleo
nacional e tudo o mais que se relacionava ao cotidiano de um cidadão em sintonia
com seu tempo e com os olhos voltados para o futuro e a mente enriquecida pela
cultura milenar do homem ocidental.
A vida de
Monteiro Lobato sempre exerceu sobre mim um imenso fascínio e admiração, a
ponto de, em uma época de minha vida de adolescente, conhecer tanto de sua vida
que minha família chegou a pensar em inscrever-me em um programa de televisão
em que se concorria a um grande prêmio a pessoa que dominasse profundo
conhecimento sobre algum assunto.
Meu primeiro
contato com Lobato foi através do ‘Jeca Tatuzinho”, na época distribuído
gratuitamente nas escolas pelo “Biotônico Fontoura, cuja história me foi lida
na cama, antes de dormir, pela minha mãe, quando eu ainda estava sendo alfabetizado
no primeiro ano do Curso Primário, em 1966. No ano seguinte, passei a conhecer
as aventuras de Narizinho, Pedrinho, Emília e os outros personagens de Lobato
através do “Sítio do Picapau Amarelo”, na segunda versão para a televisão produzida
por Julio Gouveia (1914-1988) e Tatiana Belinky (1919-2013).
Já
alfabetizado, o primeiro livro que li foi uma versão do “Robinson Crusoé” feita
por Lobato. Em um domingo ou feriado, acordei antes de todos em casa e fui à
pequena biblioteca que minha mãe havia montado em casa na última reforma da
casa que ela planejara. Pequei o livro e comecei a ler. Passei o dia todo com
ele à minha frente, devorando as aventuras do náufrago. Almocei e lanchei
lendo, não assisti aos programas de televisão e, à noite, antes de dormir, eu
havia acabado de ler todo o livro.
As histórias
escritas do Sítio eu só li no Carnaval de 1974, já adolescente. Cheguei a ler
mais de um livro por dia, simplesmente encantado com a narrativa, divertindo-me
muito com as aventuras dos personagens do Sítio. Anos mais tarde, já adulto,
cursando Letras na USP, voltei a ler a obra completa de Lobato e me diverti
ainda mais, descobrindo que as chamadas obras infantis do criador de Emília
divertiam igualmente os adultos, com suas críticas políticas e sociais, que a
criança não capta.
Na faculdade
de Letras, fui-me envolvendo com a Literatura Infantil e Juvenil, passando a
estudar a teoria literária presente nela, desejando, por fim, dedicar-me a esse
estudo mais profundamente, através da pós-graduação.
Eu havia
percebido que existiam muitas obras no Brasil dedicadas a essa área, mas que
não apresentavam qualquer novidade. Ao contrário, algumas pareciam ter bebido
na mesma fonte, citando a mesma passagem de uma carta de Lobato em que ele fala
da literatura infantil, antes mesmo de dedicar-se a ela. Refiro-me a um trecho
de uma carta de Lobato a Godofredo Rangel, presente no segundo volume de “A
Barca de Gleyre”, no qual, entre outras coisas ele afirma: “Ainda acabo fazendo
livros onde as nossas crianças possam morar. Não ler e jogar fora; sim morar,
como morei no Robinson e n’Os Filhos do Capitão Grant.“ Como eu já
estava conhecendo razoavelmente bem toda a obra de Monteiro Lobato, achei um
absurdo a repetição da mesma citação, acreditando mesmo que os autores não
haviam, de fato, lido os livros dele.
Havia uma riqueza tão grande de comentários sobre literatura e arte em geral,
que se tornava inconcebível ater-se a apenas um comentário, embora importante, sem
conhecer e reconhecer essa riqueza.
Foi neste
momento que tive a idéia de organizar um dicionário com a “teoria” literária e
estética de Monteiro Lobato, com outras ligações por afinidade aos temas.
Percebi não se tratar de uma “teoria” sistematizada, mas refletida ao longo de
toda a vida e obra do pai do Jeca. Fui recolhendo citações cabíveis em meu
projeto em cartas, contos, livros classificados como infantis e em toda a sua
obra adulta. Uma “teoria” escrita tão naturalmente que diverte quem a lê, sem
deixar de compreender sua seriedade.
O primeiro problema não foi o acesso a toda a
obra de Lobato, pois, além das obras completas, eu também possuía antigas
revistas e livros em que apareciam textos desse autor, inclusive em versões
anteriores à final, que passaram a incorporar as “Obras Completas”, organizadas
por Lobato. O maior problema era organizar o dicionário, numa época em que o
computador pessoal não era uma realidade. Eu datilografava folhas que iam sendo
encaixadas em ordem alfabética. Era muito trabalhoso e cansativo. Desanimador,
mesmo. No meu tempo de folga – nessa época, início dos anos 1990, eu trabalhava
muito, pois tinha um restaurante e uma doceria que me tomavam muito tempo – eu
ia organizando o dicionário. Somente em 1993 comprei o meu primeiro computador
pessoas, na época o melhor que havia, mas que na verdade era uma espécie de
máquina de escrever elétrica, com a vantagem de gravar em sua memória tudo o
que eu havia pesquisado e ia digitando, podendo corrigir e intercalar textos
conforme os ia lendo. Reli tudo o que Monteiro Lobato havia escrito e que
estava em minhas mãos, num total de 28 volumes. Em julho de 1994, antes de
realizar uma viagem ao Pantanal Matogrossense (o destino, na verdade, era
Macchu Picchu), terminei de organizar o Dicionário, idealizado a três ou quatro
anos antes.
Houve ainda um
outro problema. Este Dicionário também foi idealizado como trabalho de Mestrado
em Literatura. Fui
aprovado na FFLCH da USP, iniciando meu curso em 1991, logo após concluir a
graduação na mesma Universidade. No entanto, a estrutura da Academia não
permitia que eu desenvolvesse esse trabalho, o que me desanimou. Com a morte
repentina de meu sócio no restaurante no final de 1992, assumindo devido a isso
mais responsabilidades, abandonei o curso de pós-graduação, pois não estava
atendendo aos meus objetivos.
A partir de
meados de 1993, vendi a minha parte no restaurante e resolvi me dedicar
exclusivamente à Literatura, mantendo-me com o que consegui guardar da venda do
negócio. Embora com mais de trinta anos, ainda estava muito imaturo para ser um
escritor (ainda hoje, com mais de cinqüenta, tenho as minhas dúvidas se um dia
estarei realmente pronto) e consegui produzir muito pouco. Mas o Dicionário foi
fruto desse período.
Se fosse um
trabalho para o Mestrado, teria de haver uma análise muito bem realizada e
refletida sobre o tema, mas dispensei essa análise, uma vez que o texto de
Lobato fala por si, sem necessitar de intérprete ou análise. Por essa razão,
sinto-me não um organizador, mas um simples curador deste Dicionário. Um
dicionário que é, antes de tudo, uma leitura agradável e divertida, em que a
personalidade de Monteiro Lobato se revela plena em inteligência, ironia, humor
e sabedoria.
Concluindo, este
dicionário procura centrar-se no pensamento de Monteiro Lobato sobre a
literatura, a arte e temas afins. Com certeza, nunca será uma leitura
enfadonha, pois é impossível enfadar-se com Monteiro Lobato; será, sim, uma
leitura agradável e divertida, em que a personalidade do criador do Jeca Tatu,
da Emília e de tantas outras personagens que entraram para o imaginário
nacional se revelará de forma plena.
Por ser fruto
de alguns anos de trabalho (não deixa de ser um “filho” meu), não poderia este
Dicionário ficar encerrado em uma gaveta (ou como um arquivo em meu computador).
Dá-lo a público é, acima de tudo (assim o espero), um incentivo à leitura ou
releitura da obra adulta e infanto-juvenil de uma das mais importantes
personalidades da cultura brasileira
Leitura
obrigatória para todo amante da arte, da literatura e da cultura nacional e
universal, que certamente levará à leitura ou à releitura da obra deste genial
autor brasileiro.
ACADEMIA (Brasileira de Letras)
1. A Academia está descendo porque a sina deste país é a descida. O primeiro erro da Academia foi fixar em 40 o número de membros. A única razão para a escolha desse número, ou a dum número qualquer, só pode ser um precedente — a menos razoável de todas as razões. Por capricho dum rei, a França organizou uma academia de 40 — e os nossos pitecos, zás, academia de 40! Mas se a França, por um critério bastante cabo de esquadra, acha que os imortalizáveis devem ser 40, parece-me pretensão bastante pitecóide que um país como o nosso também pretenda tanto. Vem daí que para um Machado de Assis, um Bilac, um Neto, valores reais, torna-se necessário meter lá "enchimentos", como o Dantas e outros. E a própria Francesa recorre a enchimentos — uns marqueses, uns duques, uns prelados. O resultado vai ver, cá na nossa, que acabarão entrando até presidentes da República, porque não há razão para que a um general Dantas Barreto não se siga um Marechal Hermes da Fonseca.. E assim a nossa Academia irá descendo, como tudo mais em nossa terra, até ficar uma panelinha de gente equívoca. Acho, pois, que um homem de letras visceral como você não deve nunca pensar em academizar-se. Muito preferível que de fato te imortalizes com três ou quatro romances a Flaubert, dos sólidos e imperituros. A Academia está ficando a Guarda Nacional da Literatura Indígena. (1:331)
2. A idéia da Academia falhou por birra minha. Não quis transigir com a praxe lá - a tal praxe de implorar votos, e eles são extremamente suscetíveis nesse ponto. Um acadêmico aqui de S. Paulo chegou a dizer: "Se o Lobato me pedisse o voto, claro que eu o daria; mas não pedindo, prefiro votar num pedaço de pau". Ora, não há gosto em fazer parte dum grêmio de mentalidade assim e não pedi nada a ninguém; fiz mais: mandei outra carta desistindo da minha candidatura. O Carlos de Laet não leu essa segunda carta em sessão, alegando que deixaria a Academia mal. "Seria o mesmo que pedir uma moça em casamento e depois escrever que não a quer mais. Todos ficam fazendo mal juízo da honra da "des-pedida". (2:244)
3. Fui convidado para dirigir um jornal e estou pensando. Não me seduz o jornalismo. "E a Academia?" perguntas. Não sei, Rangel. Tenho medo de academias, coisa algemante, e não possuo o "feitio acadêmico", já o disse o Vicente de Carvalho. A Academia é bonita de longe, como as montanhas. Azulinha. De perto... que intrigalhada, meu Deus! Que pavões! Quanta gralha com penas de pavão lá dentro!... E depois, aquela farda! Já figuraste o grotesco do fardão? Eu, metido naquilo! Você, metido naquilo! O Ricardo, metido naquilo, com o espadim de cortar papel à cintura... Não sei por que um acadêmico fardado me lembra caixão de defunto. Os galões, talvez. (2:282-283)
4. Aquela Academia é o maior ninho de intrigalha do mundo. Houve tanta coisa neste meu período de entra-não-entra que fiquei avaliando que inferno é a vida dos desgraçados mortais que se imortalizam com aspas. Um conselho te dou: nunca penses em entrar para lá ou para qualquer outro grêmio. É neles que a gente se desilude totalmente dos homens — que vê como são bestas e mesquinhos. O meio de vivermos em paz neste mundo está no isolamento. Diz o ditado que quem se mete com crianças sai mijado - e sai cagado quem se mete com adultos. (4:139)
5. Recebi a tua última. Não podes entrar para a Academia por causa da "desordem da tua vida urbana"; no entanto, ela admite a frescura dum J. do R.. Os imortais, a contar de Júpiter, sempre viram com indulgência os Ganimedes... Enfim, são brancos, digo imortais, lá se entendem. Eu acho a Academia uma bela coisa, depois que o Alves a enriqueceu. É positivamente um negócio imortalizar-se vitaliciamente. Porque duma maneira ou doutra a renda do legado há de reverter em benefício dos frades da ordem. Talvez isso explique o recrudescimento do avança que se nota agora a cada vaga. (13:40-41)
2. A idéia da Academia falhou por birra minha. Não quis transigir com a praxe lá - a tal praxe de implorar votos, e eles são extremamente suscetíveis nesse ponto. Um acadêmico aqui de S. Paulo chegou a dizer: "Se o Lobato me pedisse o voto, claro que eu o daria; mas não pedindo, prefiro votar num pedaço de pau". Ora, não há gosto em fazer parte dum grêmio de mentalidade assim e não pedi nada a ninguém; fiz mais: mandei outra carta desistindo da minha candidatura. O Carlos de Laet não leu essa segunda carta em sessão, alegando que deixaria a Academia mal. "Seria o mesmo que pedir uma moça em casamento e depois escrever que não a quer mais. Todos ficam fazendo mal juízo da honra da "des-pedida". (2:244)
3. Fui convidado para dirigir um jornal e estou pensando. Não me seduz o jornalismo. "E a Academia?" perguntas. Não sei, Rangel. Tenho medo de academias, coisa algemante, e não possuo o "feitio acadêmico", já o disse o Vicente de Carvalho. A Academia é bonita de longe, como as montanhas. Azulinha. De perto... que intrigalhada, meu Deus! Que pavões! Quanta gralha com penas de pavão lá dentro!... E depois, aquela farda! Já figuraste o grotesco do fardão? Eu, metido naquilo! Você, metido naquilo! O Ricardo, metido naquilo, com o espadim de cortar papel à cintura... Não sei por que um acadêmico fardado me lembra caixão de defunto. Os galões, talvez. (2:282-283)
4. Aquela Academia é o maior ninho de intrigalha do mundo. Houve tanta coisa neste meu período de entra-não-entra que fiquei avaliando que inferno é a vida dos desgraçados mortais que se imortalizam com aspas. Um conselho te dou: nunca penses em entrar para lá ou para qualquer outro grêmio. É neles que a gente se desilude totalmente dos homens — que vê como são bestas e mesquinhos. O meio de vivermos em paz neste mundo está no isolamento. Diz o ditado que quem se mete com crianças sai mijado - e sai cagado quem se mete com adultos. (4:139)
5. Recebi a tua última. Não podes entrar para a Academia por causa da "desordem da tua vida urbana"; no entanto, ela admite a frescura dum J. do R.. Os imortais, a contar de Júpiter, sempre viram com indulgência os Ganimedes... Enfim, são brancos, digo imortais, lá se entendem. Eu acho a Academia uma bela coisa, depois que o Alves a enriqueceu. É positivamente um negócio imortalizar-se vitaliciamente. Porque duma maneira ou doutra a renda do legado há de reverter em benefício dos frades da ordem. Talvez isso explique o recrudescimento do avança que se nota agora a cada vaga. (13:40-41)
ADJETIVOS
A observação sobre os teus adjetivos pode ser generalizada. Apliquei-a aos teus porque me veio enquanto te lia. Nos grandes mestres o adjetivo é escasso e sóbrio — vai abundando progressivamente á proporção que descemos a escada dos valores. Um jornalistazinho municipal, coitado, usa mais adjetivos no estilo do que Pilogênio na caspa.
Eles pingam adjetivos. Contei os adjetivos em Montaigne, Renan e Gorki. Sóbrios. Shakespeare, quando quer pintar um cenário (um maravilhoso cenário Shakespiriano!), diz, seco: "Uma rua". O Macuco diria: "Uma rua estreita, clara, poeirenta, movimentada, etc". O Macuco espalhou mais adjetivos pelo Belenzinho do que gonococus - e nunca houve uma espingarda que o abatesse!...
Tolstoi só usa o adjetivo quando incisivamente qualifica ou determina o substantivo. Tenho que o maior mal da nossa literatura é o "avança" do adjetivo. Mal surge um pobre substantivo na frase, vinte adjetivos lançam-se sobre ele e ficam "encostados", como os encostados das repartições públicas. A moda de hoje é o adjetivo eciano. Aquele "cigarro lânguido" do Eça fez mais mal à nossa literatura do que a filoxera aos vinhedos da Champagne.
Isto me veio ao ler em teu Diário a "mancha" sobre o lampião da sala. Se expulsasses dali todos os adjetivos encostados, aquilo ganharia oitenta por cento. (1:106-107)
.......................................................................................
Ver: ESCREVER 5 (2:51-52)
ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 3 (2:52-54)
Eles pingam adjetivos. Contei os adjetivos em Montaigne, Renan e Gorki. Sóbrios. Shakespeare, quando quer pintar um cenário (um maravilhoso cenário Shakespiriano!), diz, seco: "Uma rua". O Macuco diria: "Uma rua estreita, clara, poeirenta, movimentada, etc". O Macuco espalhou mais adjetivos pelo Belenzinho do que gonococus - e nunca houve uma espingarda que o abatesse!...
Tolstoi só usa o adjetivo quando incisivamente qualifica ou determina o substantivo. Tenho que o maior mal da nossa literatura é o "avança" do adjetivo. Mal surge um pobre substantivo na frase, vinte adjetivos lançam-se sobre ele e ficam "encostados", como os encostados das repartições públicas. A moda de hoje é o adjetivo eciano. Aquele "cigarro lânguido" do Eça fez mais mal à nossa literatura do que a filoxera aos vinhedos da Champagne.
Isto me veio ao ler em teu Diário a "mancha" sobre o lampião da sala. Se expulsasses dali todos os adjetivos encostados, aquilo ganharia oitenta por cento. (1:106-107)
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Ver: ESCREVER 5 (2:51-52)
ESCRITORES: CAMILO CASTELO BRANCO 3 (2:52-54)
ARTE
1. Na penúltima carta dás como definição de arte do Taine a sua definição de obra d'arte, coisa muito diferente. Definição de arte foi coisa que o sensato e cautelosíssimo Taine teve o espírito de não tentar, para não dar a topada que todos os definidores vêm dando desde a Grécia. Todas as definições de arte que conheço degeneram em noção, e isto pelo absurdo de aplicar o processo definitório, coisa puramente científica e lógica, ao fato mais incientífico e ilógico da humanidade - a Arte. Com os sextantes mede-se a altura das estrelas, mas não se medirá nunca a altura do amor duma menina. Quanto à tua questão de "arte científica", não pesco um xis. Ciência — conjunto de conhecimentos sobre as leis dos fenômenos; arte — concretização de emoções. Misturar estas coisas é tentar a combinação química de ovos e batatas. (1:91-92)
2. Dizes que Inocência não te agradou porque não tem muita arte. Mas que é arte senão esse dom de criar simpatias, provocá-las, revelá-las, traduzi-las? Que valem as torturas artísticas dum Goncourt perto duma página de Manon Lescaut ou Paulo e Virgínia? Arte, esse torturado de borzeguim medieval ou o encanto, a simpatia humana de Manon? Bem sabes que Manon Lescaut é livro eterno - e Goncourt já passou. A arte deste só o é para um punhado de homens afins, num certo tempo — a arte de Manon é para toda gente, em todos os tempos.
A arte de Inocência me parece eterna porque é simpática, como a definiste — e que é simpatia? Uma correlação, uma corrente de indução entre A e B. Existe alguma arte que não produza esta corrente? E não deixa de ser artística a obra d'arte que a produz. Quem lê hoje uma obra antiga, se esta obra não traz incubada a força da simpatia que se traduz no prazer da leitura? (1:126)
3. Acho tua arte subjetiva em excesso — e a grande arte é objetiva (Shakespeare, Tolstoi, Zola, Balzac, Molière). Descreves um caso isolado, único, quando a arte está no contrário, na universalização; o particularismo cabe à ciência. (1:173)
4. A arte nasce quando o homem cessa de lutar contra o meio adverso. Nasce como florada conseqüente á completa evolução da planta. Na Grécia, a benignidade do clima e a amenidade da natureza não ofereciam resistência ao homem, e as forças que este, em caso contrário (caso da Índia, do Brasil, da Sibéria, por exemplo), despenderia em reações contra o meio agressivo, convergiram para enseivar o instinto estético, dando origem à maravilhosa eclosão das artes clássicas. (7:71)
5. A obra d'arte não tem valor intrínseco. Não há valor intrínseco. O valor de um poema reside em o número de espíritos por ele emocionados. As obras más caem por escassez de partidários. (7:72)
6. A arte nasce quando o homem domina o meio adverso; como um luxo, como floração da planta após a vitória desta sobre todos os óbices opostos à sua desenvoltura. Na Grécia, a amenidade ambiente, não opondo resistências ao homem, permitiu que, em vez de dispersar suas forças contra a natureza agressiva, ele as convergisse para a inflorescência.
Nós no Brasil ainda estamos a crescer, a enfolhar, a radicar. Por isso o que chamamos arte não passa de simples reflexos de artes alheias. Arte como a grega - em bloco, conglomerada, todas reunidas em torno dum mesmo tronco (um ideal racial) como vergônteas de igual pujança - tê-la-emos um dia, no ano 2.000 ou 2.500 quem o sabe? E tê-la-emos porque não há planta que não venha a flor. Se vem a rosas ou a flor de abóbora, já é outro caso. (7:99)
7. Sem a intervenção da arte é impossível transmitir aos pósteros a sensação exata do que se passou. Só a arte sabe perpetuar o que foi a vida. (8:71)
8. As belas artes, filhas, uma da rêverie, qual a música; outra, da sensação visual, como a pintura; outra, da álgebra das proporções, como a arquitetura; outra, da escolha e estilização da forma tátil, como a escultura; outra, da ideação vocabular, como as belas letras: todas se condicionavam a épocas e povos como peculiaridades. Na Grécia de Péricles, a escultura; na Itália de Leão X, a pintura; na Alemanha do século 18, a música; na França, o teatro; na Inglaterra, a novelística. (8:117)
9. Arte não é isso; arte não é reprodução fiel; arte é vida; só é artista aquele que reproduz a sensação da vida em toda a sua intensidade com tudo que ela tem de bom e mau, de coerente e de absurdo, de feio e de formoso, de estúpido e gracioso. A arte é uma objetivação do subjetivo, e como objetivar sentimentos quando estes não existem, quando estes não vibram dentro do artista? (11:129-130)
10. O valor duma obra d'arte cota-se pelo seu coeficiente de temperamento, cor e vida - os três valores que lhe travam a unidade, promanantes, um do homem, outro do meio, outro do momento. A arte descentrada dessa tripeça de categorias e que tem como fator-homem os "heimatlos" (homem de muitas pátrias, posto em evidência pela guerra); que tem como "terroir" o mundo e como época o Tempo, ser uma soberba alcachofra quando o volapuk senhorear o globo: por enquanto, não!
Donde uma conclusão lógica: o artista cresce à medida que se nacionaliza. É mister que a obra d'arte denuncie ao mais rápido volver d'olhos a sua origem, como as raças denunciam pelo tipo individual o grupo etnológico. (16:46)
11. Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem da latitude nem do clima.
As medidas da proporção e do equilíbrio na forma ou na cor decorrem do que chamamos sentir. Quando as coisas do mundo externo se transformam em impressões cerebrais, "sentimos". Para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em desarranjo por virtude de algum grave destempero.
Enquanto a percepção sensorial se fizer no homem normalmente, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá "sentir" senão um gato; e é falsa a "interpretação" que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. (16:60)
12. Ciência e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte é harmonia e Ciência é verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desarmônica e a harmonia falsa. (17:96)
13. As crianças vinham descendo a escada dos pedreiros e breve apareceram fora do templo.
— Corram aqui! — gritou-lhes Dona Benta. — Estão perdendo uma coisa única no mundo - a frisa do Partenon explicada pelo Senhor Péricles.
Os meninos aproximaram-se.
— Que tal acha estes cavalos, Pedrinho? — perguntou Dona Benta. — São da Tessália.
O menino examinou-os com ares de entendido.
— Bons, sim, vovó. São "manga-largas" legítimos - só que têm o focinho muito fino. Os cavalos que eu conheço não são assim.
— Nem os daqui — disse Péricles. — Os escultores não reproduzem a natureza tal qual é. Modificam-na num certo sentido, com uma certa intenção. Arte é isso.
— Mas então o belo não é natural "escarrado", vovó? — perguntou o menino.
— Não, meu filho. Se fosse, os melhores museus do mundo seriam as escarradeiras, e a maior das artes seria a fotográfica, porque a fotografia reproduz exatamente a natureza. A arte é uma estilização, isto é, uma falsificação da natureza num certo sentido, como acaba de dizer o Senhor Péricles. Você bem sabe que não é nas fotografias que encontramos o belo - é nos desenhos que modificam o real segundo o gosto do desenhista. (27:150-151)
................................................................................................
Ver: DRAMA (1:174)
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)
2. Dizes que Inocência não te agradou porque não tem muita arte. Mas que é arte senão esse dom de criar simpatias, provocá-las, revelá-las, traduzi-las? Que valem as torturas artísticas dum Goncourt perto duma página de Manon Lescaut ou Paulo e Virgínia? Arte, esse torturado de borzeguim medieval ou o encanto, a simpatia humana de Manon? Bem sabes que Manon Lescaut é livro eterno - e Goncourt já passou. A arte deste só o é para um punhado de homens afins, num certo tempo — a arte de Manon é para toda gente, em todos os tempos.
A arte de Inocência me parece eterna porque é simpática, como a definiste — e que é simpatia? Uma correlação, uma corrente de indução entre A e B. Existe alguma arte que não produza esta corrente? E não deixa de ser artística a obra d'arte que a produz. Quem lê hoje uma obra antiga, se esta obra não traz incubada a força da simpatia que se traduz no prazer da leitura? (1:126)
3. Acho tua arte subjetiva em excesso — e a grande arte é objetiva (Shakespeare, Tolstoi, Zola, Balzac, Molière). Descreves um caso isolado, único, quando a arte está no contrário, na universalização; o particularismo cabe à ciência. (1:173)
4. A arte nasce quando o homem cessa de lutar contra o meio adverso. Nasce como florada conseqüente á completa evolução da planta. Na Grécia, a benignidade do clima e a amenidade da natureza não ofereciam resistência ao homem, e as forças que este, em caso contrário (caso da Índia, do Brasil, da Sibéria, por exemplo), despenderia em reações contra o meio agressivo, convergiram para enseivar o instinto estético, dando origem à maravilhosa eclosão das artes clássicas. (7:71)
5. A obra d'arte não tem valor intrínseco. Não há valor intrínseco. O valor de um poema reside em o número de espíritos por ele emocionados. As obras más caem por escassez de partidários. (7:72)
6. A arte nasce quando o homem domina o meio adverso; como um luxo, como floração da planta após a vitória desta sobre todos os óbices opostos à sua desenvoltura. Na Grécia, a amenidade ambiente, não opondo resistências ao homem, permitiu que, em vez de dispersar suas forças contra a natureza agressiva, ele as convergisse para a inflorescência.
Nós no Brasil ainda estamos a crescer, a enfolhar, a radicar. Por isso o que chamamos arte não passa de simples reflexos de artes alheias. Arte como a grega - em bloco, conglomerada, todas reunidas em torno dum mesmo tronco (um ideal racial) como vergônteas de igual pujança - tê-la-emos um dia, no ano 2.000 ou 2.500 quem o sabe? E tê-la-emos porque não há planta que não venha a flor. Se vem a rosas ou a flor de abóbora, já é outro caso. (7:99)
7. Sem a intervenção da arte é impossível transmitir aos pósteros a sensação exata do que se passou. Só a arte sabe perpetuar o que foi a vida. (8:71)
8. As belas artes, filhas, uma da rêverie, qual a música; outra, da sensação visual, como a pintura; outra, da álgebra das proporções, como a arquitetura; outra, da escolha e estilização da forma tátil, como a escultura; outra, da ideação vocabular, como as belas letras: todas se condicionavam a épocas e povos como peculiaridades. Na Grécia de Péricles, a escultura; na Itália de Leão X, a pintura; na Alemanha do século 18, a música; na França, o teatro; na Inglaterra, a novelística. (8:117)
9. Arte não é isso; arte não é reprodução fiel; arte é vida; só é artista aquele que reproduz a sensação da vida em toda a sua intensidade com tudo que ela tem de bom e mau, de coerente e de absurdo, de feio e de formoso, de estúpido e gracioso. A arte é uma objetivação do subjetivo, e como objetivar sentimentos quando estes não existem, quando estes não vibram dentro do artista? (11:129-130)
10. O valor duma obra d'arte cota-se pelo seu coeficiente de temperamento, cor e vida - os três valores que lhe travam a unidade, promanantes, um do homem, outro do meio, outro do momento. A arte descentrada dessa tripeça de categorias e que tem como fator-homem os "heimatlos" (homem de muitas pátrias, posto em evidência pela guerra); que tem como "terroir" o mundo e como época o Tempo, ser uma soberba alcachofra quando o volapuk senhorear o globo: por enquanto, não!
Donde uma conclusão lógica: o artista cresce à medida que se nacionaliza. É mister que a obra d'arte denuncie ao mais rápido volver d'olhos a sua origem, como as raças denunciam pelo tipo individual o grupo etnológico. (16:46)
11. Todas as artes são regidas por princípios imutáveis, leis fundamentais que não dependem da latitude nem do clima.
As medidas da proporção e do equilíbrio na forma ou na cor decorrem do que chamamos sentir. Quando as coisas do mundo externo se transformam em impressões cerebrais, "sentimos". Para que sintamos de maneira diversa, cúbica ou futurista, é forçoso ou que a harmonia do universo sofra completa alteração, ou que o nosso cérebro esteja em desarranjo por virtude de algum grave destempero.
Enquanto a percepção sensorial se fizer no homem normalmente, através da porta comum dos cinco sentidos, um artista diante de um gato não poderá "sentir" senão um gato; e é falsa a "interpretação" que do bichano fizer um totó, um escaravelho ou um amontoado de cubos transparentes. (16:60)
12. Ciência e Arte nasceram para viver juntas, porque Arte é harmonia e Ciência é verdade. Quando se divorciam, a verdade fica desarmônica e a harmonia falsa. (17:96)
13. As crianças vinham descendo a escada dos pedreiros e breve apareceram fora do templo.
— Corram aqui! — gritou-lhes Dona Benta. — Estão perdendo uma coisa única no mundo - a frisa do Partenon explicada pelo Senhor Péricles.
Os meninos aproximaram-se.
— Que tal acha estes cavalos, Pedrinho? — perguntou Dona Benta. — São da Tessália.
O menino examinou-os com ares de entendido.
— Bons, sim, vovó. São "manga-largas" legítimos - só que têm o focinho muito fino. Os cavalos que eu conheço não são assim.
— Nem os daqui — disse Péricles. — Os escultores não reproduzem a natureza tal qual é. Modificam-na num certo sentido, com uma certa intenção. Arte é isso.
— Mas então o belo não é natural "escarrado", vovó? — perguntou o menino.
— Não, meu filho. Se fosse, os melhores museus do mundo seriam as escarradeiras, e a maior das artes seria a fotográfica, porque a fotografia reproduz exatamente a natureza. A arte é uma estilização, isto é, uma falsificação da natureza num certo sentido, como acaba de dizer o Senhor Péricles. Você bem sabe que não é nas fotografias que encontramos o belo - é nos desenhos que modificam o real segundo o gosto do desenhista. (27:150-151)
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Ver: DRAMA (1:174)
ESCRITORES: MACHADO DE ASSIS 3 (7:333-338)
ARTE MODERNA
Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo, e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da caricatura e regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor, caricatura da forma — mas caricatura que não visa, como a verdadeira, ressaltar uma idéia, mas sim desnortear, aparvalhar, atordoar a ingenuidade do espectador.(...)
"Arte moderna": eis o escudo, a suprema justificação de qualquer borracheira.
Como se não fossem moderníssimos esse Rodin que acaba de falecer, deixando após si uma esteira luminosa de mármores divinos; esse André Zorn, maravilhoso virtuose do desenho e da pintura; esse Brangwyn, gênio rembrandtesco da babilônia industrial que é Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta das manhãs, das águas mansas e dos corpos femininos em botão.
Como se não fosse moderna, moderníssima, toda a legião atual de incomparáveis artistas do pincel, da pena, da água forte, da "ponta seca", que fazem da nossa época uma das mais fecundas em obras primas de quantas deixaram marcos de luz na história da humanidade. (16:61-62)
"Arte moderna": eis o escudo, a suprema justificação de qualquer borracheira.
Como se não fossem moderníssimos esse Rodin que acaba de falecer, deixando após si uma esteira luminosa de mármores divinos; esse André Zorn, maravilhoso virtuose do desenho e da pintura; esse Brangwyn, gênio rembrandtesco da babilônia industrial que é Londres; esse Paul Chabas, mimoso poeta das manhãs, das águas mansas e dos corpos femininos em botão.
Como se não fosse moderna, moderníssima, toda a legião atual de incomparáveis artistas do pincel, da pena, da água forte, da "ponta seca", que fazem da nossa época uma das mais fecundas em obras primas de quantas deixaram marcos de luz na história da humanidade. (16:61-62)
ARTISTAS
1. Somos uns pelicanos, Rangel. Vivemos a arrancar penas, carne e coisas de nós mesmos para que não morram os nossos pobres filhinhos literários. Os artistas subjetivos que só tiram de si em vez de tirar do mundo que os rodeia, ficam introspectivos em excesso e acabam satisfazendo a um público muito restrito: a si mesmos. Mas os artistas objetivos, os Kiplings, sugestionam e fazem estremecer de emoção grandes platéias - e o aplauso da platéia é o feijão com arroz de todos os artistas. (1:220-221)
2. Os artistas deixam a estrada real por onde segue toda gente e caminham por veredas laterais. Os grandes abrem picadas, os miúdos repisam-nas. (7:98)
3. Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em conseqüência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres.
Quem trilha por esta senda, se tem gênio é Praxiteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Dürer na Alemanha, é Zorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno desses sóis imorredoiros.
A outra espécie é formada dos que vêem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedoiro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento.
Embora se dêem como novos, como precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e a mistificação. (16-60)
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Ver: ARTE 10 (16:46)
2. Os artistas deixam a estrada real por onde segue toda gente e caminham por veredas laterais. Os grandes abrem picadas, os miúdos repisam-nas. (7:98)
3. Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em conseqüência fazem arte pura, guardados os eternos ritmos da vida, e adotados, para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres.
Quem trilha por esta senda, se tem gênio é Praxiteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Dürer na Alemanha, é Zorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno desses sóis imorredoiros.
A outra espécie é formada dos que vêem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedoiro. Estrelas cadentes, brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento.
Embora se dêem como novos, como precursores duma arte a vir, nada é mais velho do que a arte anormal ou teratológica: nasceu com a paranóia e a mistificação. (16-60)
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Ver: ARTE 10 (16:46)
ASSOCIAÇÃO DE IDÉIAS
— Essa fábula está com cara de ser sua, vovó — disse Pedrinho. — Eu conheço o seu estilo.
— E é, meu filho. Inventei-a neste momento, e sabe por quê? Porque me lembrei daquela peúva caída lá no pasto e dum jabuti que estava escondido debaixo dela. Sei quanto dura a madeira da peúva e sei quanto vive um jabuti - e a fábula formou-se em minha cabeça. E todas as fábulas foram vindo assim. Uma associação de idéias sugere as historinhas.
— Associação de idéias é isso?
— Sim. A gente pensa numa coisa. Esse pensamento puxa outro. Esse outro puxa terceiro. É o que os sábios chamam associação de idéias. (28:259)
— E é, meu filho. Inventei-a neste momento, e sabe por quê? Porque me lembrei daquela peúva caída lá no pasto e dum jabuti que estava escondido debaixo dela. Sei quanto dura a madeira da peúva e sei quanto vive um jabuti - e a fábula formou-se em minha cabeça. E todas as fábulas foram vindo assim. Uma associação de idéias sugere as historinhas.
— Associação de idéias é isso?
— Sim. A gente pensa numa coisa. Esse pensamento puxa outro. Esse outro puxa terceiro. É o que os sábios chamam associação de idéias. (28:259)
CAPÍTULOS
Recebi Vida Ociosa. Parece-me aconselhável trocar a simples enumeração dos capítulos, coisa anti-comercial, pela denominação dos capítulos, coisa comercialíssima. Acho horrivelmente árido um romance de capítulos numerados. E é fértil o em que cada capítulo tem um titulozinho tentador. Como faz Mestre Machado. O do Léo Vaz também é assim. Tudo que nos livros predispõe bem o público ledor e comprador é agradável a Deus. Se queres, eu mesmo batizo os capítulos - ou então mandas-me daí os nomes. (2:189)
CARICATURA
Diga-se, por exemplo, da caricatura, maldade velha que nasceu quando o animal que ri farejou no repuxo dos músculos faciais um meio de matar às claras -matar moralmente, já se vê. E que nasceu na Grécia para veículo dum sutil alcalóide de nome "eironeia", do qual foi Sócrates um hábil manipulador. E desde então nada se forrou a esse veneno - nem homens, nem deuses, nem cavalos.(...)
Não há país onde a caricatura não vice em folhas periódicas como um gênero de primeira necessidade, indispensável ao fígado da civilização. Como a ironia e o chiste não são plantas vulgares, e porque o rir-nos uns dos outros é da higiene humana, custeia cada povo as suas mutucas - os seus caricaturistas - como as cortes medievais, por fome de lirismo, cultivavam poetas oficiais de pégaso arreado à porta para pulinhos ao Parnaso em dia de anos do rei ou nascimento de algum principezinho. E em nada se estampa melhor a alma de uma nação, do que na obra de seus caricaturistas. Parece que o modo de pensar coletivo tem seu resumo nessa forma de riso. (16:3-7)
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Ver: ARTE MODERNA (16:61-62)
Não há país onde a caricatura não vice em folhas periódicas como um gênero de primeira necessidade, indispensável ao fígado da civilização. Como a ironia e o chiste não são plantas vulgares, e porque o rir-nos uns dos outros é da higiene humana, custeia cada povo as suas mutucas - os seus caricaturistas - como as cortes medievais, por fome de lirismo, cultivavam poetas oficiais de pégaso arreado à porta para pulinhos ao Parnaso em dia de anos do rei ou nascimento de algum principezinho. E em nada se estampa melhor a alma de uma nação, do que na obra de seus caricaturistas. Parece que o modo de pensar coletivo tem seu resumo nessa forma de riso. (16:3-7)
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Ver: ARTE MODERNA (16:61-62)
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